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quarta-feira, 24 de dezembro de 2025
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Política

Conheça o ministro norueguês sobrevivente de massacre que anunciou US$ 3 bi para florestas

Publicado em 08/11/2025

Andres Eriksen, ministro do Meio Ambiente da Noruega, com sua contraparte Marina Silva, do Brasil (Rafa Neddermeyer/PR)

Em entrevista a VEJA, Andreas Eriksen diz que o fundo pode se tornar uma fonte perpétua para preservação de florestas

Por Ricardo Ferraz e Diogo Schelp | VEJA

Mutirão é uma palavra que tem tradução em norueguês – dugnad – mas o
ministro do meio ambiente, Andreas Eriksen, 33 anos, preferiu empregar a
versão em português durante a Cúpula de Líderes da COP30 para se referir ao
esforço conjunto necessário para enfrentar as mudanças climáticas. Poucas
nações têm sido tão sensíveis ao problema quanto o país nórdico, que
prometeu um aporte de3 bilhões de dólares no TFFF, o Fundo Florestas
Tropicais pra Sempre, na sigla em inglês. É a maior contribuição até o
momento para a iniciativa liderada pelo Brasil, que busca utilizar mecanismos
do mercado financeiro para bancar a preservação da Amazônia e outras áreas
vegetais semelhantes ao redor do globo.

O jovem político é um dos sobreviventes do massacre ocorrido na ilha de
Utøya, em 2011, quando o extremista Anders Breivik assassinou 69 pessoas, a
maioria adolescentes, enquanto atirava a esmo com um fuzil. Nesta entrevista
exclusiva a VEJA, Eriksen explica porque o governo que integra decidiu fazer a
contribuição bilionária e se diz otimista em relação à viabilidade do TFFF.

O que justifica um aporte desse montante no fundo de proteção às
florestas tropicais? O investimento se baseia na parceria que temos
mantido há muitos anos com diversos países de floresta tropical, incluindo o
Brasil. Para nós, na condição de país investidor, tem sido importante criar as
condições necessárias para proteger as florestas, gerando novas oportunidades
e benefícios econômicos, dois fatores que caminham lado a lado. Precisamos
ainda encontrar modelos que garantam a entrada de financiamento privado. Muitas iniciativas importantes surgiram a partir dos mercados de carbono, que
seguimos acreditando, mas o TFFF pode ser um complemento às ferramentas
já existentes. Trabalhamos de perto com o Brasil e outros países, avaliando os
aspectos técnicos, e acreditamos que esse pode ser um modelo viável, capaz de
fazer a busca pela redução de desmatamento avançar para o desmatamento
zero.

E como esse modelo calcado em mecanismos de mercado muda a
dinâmica do combate às mudanças climáticas? É bastante claro que os
países desenvolvidos precisam fazer sua parte, como acordado em Baku, no
ano passado. Mas acredito que a maior mudança que o fundo traz é a
participação aberta a todos os países, sejam eles em desenvolvimento ou já
desenvolvidos. Isso fica claro com os aportes da Indonésia e o Brasil. Isso é realmente muito positivo. Esperamos agora, com o apoio da Noruega, atrair
mais países, independentemente de onde estejam ou de sua origem.

O senhor observou que o TFFF é um fundo semelhante ao fundo
soberano da Noruega. Em que sentido, exatamente? Usamos nosso
fundo soberano para investir em uma ampla carteira de ativos. Uma
porcentagem do retorno obtido sobre esses ativos é utilizada para financiar
parte do orçamento do governo. Em teoria, se a carteira for bem administrada
– um pré-requisito muito importante – e se não houver gastos superiores aos
rendimentos, isso pode se tornar uma fonte de receita perpétua. Nunca se fica
sem dinheiro em um fundo desse tipo. Por isso, acredito que a ideia do TFFF
nos pareceu muito atraente. Nosso objetivo comum aqui é justamente criar as
estruturas financeiras necessárias para garantir que as florestas tropicais
sejam protegidas não apenas pelos próximos 10 ou 20 anos, mas que isso seja
uma opção economicamente viável de longo prazo.

Muitos países desenvolvidos se comprometeram com o TFFF, mas
não realizaram investimentos. O senhor acredita que será possível
alcançar a meta de capital inicial no valor de 25 bilhões de
dólares? Jamais defenderia que o meu governo se comprometesse com 3
bilhões de dólares se não estivesse otimista. Há, contudo, muito trabalho pela
frente. Precisamos ver mais países investidores aderindo para que o modelo
funcione ao longo do tempo.

Um dos principais obstáculos que freia os repasses dos países ricos
para as nações em desenvolvimento é o alto custo político de se
investir em populações estrangeiras, que sequer trazem votos para
quem toma essa decisão. É diferente na Noruega? Não concordo
totalmente com a premissa, porque, em muitos casos, o principal obstáculo
pode não ser o financiamento em si, mas as condições para que ele ocorra. O
problema pode não ser exatamente a falta de recursos financeiros, mas a
ausência de um marco regulatório coerente. Por isso, quando trabalhamos
com a proteção das florestas tropicais, nunca focamos apenas em um lado da
questão. Sempre nos preocupamos com o fortalecimento de capacidades para
desenvolver soluções. Além disso, o problema muitas vezes está em investir
em um único projeto, em vez de uma ampla gama de projetos. Se uma carteira for bem estruturada, é possível atrair mais investimentos para mais países,
justamente porque os riscos se diluem entre diferentes projetos.

Mas a população entende isso? Não tenho certeza se todos entendem os
detalhes técnicos de um fundo desse tipo, porque ele é realmente complexo.
Mas o que nós, como políticos, devemos enfatizar é que fazer investimentos
amplos, alinhados com o Acordo de Paris, traz benefícios para todos nós a
longo prazo. E isso deveria ser uma premissa popular entre as pessoas de todo
o mundo, em essência.

O senhor acha que os países serão mais ambiciosos em relação às
medidas para lidar com as mudanças climáticas nessa edição da
COP? Realmente espero que sim. Muitos países ainda não apresentaram suas
Contribuições Nacionalmente Determinadas, as metas para redução de
emissão de carbono, para 2035, mas é fácil esquecer, quando olhamos o
mundo como uma fotografia estática, que o Acordo de Paris está funcionando. Em 2015, estávamos caminhando para um aumento de 4°C na temperatura
global. Agora, as projeções mais recentes mostram que, se todas as NDCs
apresentadas forem totalmente implementadas, estamos caminhando para
algo entre 2,3 °C e 2,5 °C. É um avanço significativo, embora ainda haja um
longo caminho pela frente.

A Noruega é a principal doadora do Fundo Amazônia, focado no
combate ao desmatamento. Agora vocês estão apoiando a floresta
em pé. O que isso muda? Sempre que surge uma nova ferramenta, é preciso
ver como ela se integra às que já existem. Mas não creio que vamos reduzir o
apoio às ações que já vêm sendo realizadas nos últimos anos para diminuir o
desmatamento nas florestas tropicais. A ideia não é substituir, a curto prazo, o
que já temos.

Como as mudanças climáticas afetam diretamente o povo
norueguês, que vive às margens do Pólo Norte? O aquecimento global é
um grande desafio também para nós. Estive no Ártico, no ano passado, e lá as
mudanças climáticas estão acontecendo de cinco a seis vezes mais
rapidamente do que a média global. O aumento de temperatura já é enorme,
causando chuvas mais intensas e ventos mais fortes que o habitual. Embora
sejamos um país acostumado a “ter tempo ruim”, percebemos que os danos
causados pelos eventos climáticos estão ficando mais graves e atingindo regiões que antes não eram afetadas. Agir contra as mudanças climáticas
beneficia a todos, independentemente do país onde se viva. Se olharmos as
projeções do PIB global em cenários com ou sem grandes impactos climáticos,
as diferenças são enormes. Portanto, agir não é apenas do nosso interesse
imediato, mas também do nosso interesse econômico de longo prazo.

O senhor é um dos sobreviventes do massacre da ilha de Utøya.
Como aquele evento impactou sua geração? Acho que, antes de tudo,
para mim, esse episódio é um lembrete da grande liberdade que temos na
Noruega em nosso cotidiano: o direito à liberdade de expressão, de participar e
de se envolver na política. Aquele homem que tentou silenciar uma geração de
jovens líderes do Partido Trabalhista Norueguês não teve sucesso. Cinco de
nós, sobreviventes, somos ministros do atual governo. Isso mostra que, para
nós, defender os valores democráticos tornou-se mais importante do que
nunca. Duas das quatro pessoas com quem eu estava acampado em Utøya não
voltaram para casa. O outro que sobreviveu é meu melhor amigo até hoje.
Continuar engajado na política, tentando fazer o melhor possível nesse campo
difícil do clima e do meio ambiente é também uma forma de manter vivos
esses valores.

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