Atualizada em 15/02/2025 11:11
REALIDADE VIRTUAL – Lula: falas desastradas, decisões controversas e falta de sintonia entre os ministros (./Reprodução)
A estratégia de comunicação do presidente Lula mudou desde a posse do marqueteiro
Sidônio Palmeira no ministério, ocorrida há um mês. Retomando uma estratégia bemsucedida empregada em seu segundo mandato, o petista iniciou uma agenda de viagens e
de entrevistas pelo país com o objetivo de falar diretamente com a população e tentar
pautar o noticiário. Já nas redes sociais, onde a oposição reina quase absoluta, ele
adotou um estilo mais dinâmico e informal, compatível com a demanda por um tom
menos solene. No domingo 9, publicou um vídeo interagindo com meninos e meninas —
para começar o dia “com a fofura, o carinho e a sinceridade das crianças”, ressaltou na
legenda. Na segunda 10, apareceu em outro vídeo, de tênis, short e camisa regata, para
convidar as pessoas a fazerem como ele e adotarem a caminhada como hábito, em nome
do bem-estar e da saúde pessoal. A guinada na forma é visível, mas o problema é outro:
o conteúdo. Mesmo sob nova direção publicitária, o presidente continua tropeçando na
própria língua, contribuindo para a ausência de rumo do governo e cultivando notícias
negativas. Enquanto faltam resultados para apresentar, sobram sinais de tormenta
econômica e política no horizonte.
O tamanho do desafio de gestão e de comunicação ficou mais uma vez evidente no caso
da inflação dos alimentos, um dos motores do aumento da rejeição ao
presidente. Lula postou numa rede social um vídeo, que tinha como cenário uma horta,
para prometer empenho total na luta contra a carestia. Ele foi convencido por auxiliares
de que não há medida mágica capaz de derrubar os preços e de que a queda do dólar e a
supersafra brasileira ajudarão a aliviar a conta do supermercado. O presidente parecia
trilhar um bom caminho até que numa entrevista delegou ao povo a tarefa de controlar a
inflação: “Se você vai ao supermercado e desconfia que tal produto está caro, você não
compra. Se todo mundo tiver consciência e não comprar aquilo que acha que está caro,
quem está vendendo vai ter de baixar para vender, porque senão vai estragar”. Mesmo a
ex-presidente Dilma Rousseff, que não era propriamente aclamada pelo tirocínio
político, censuraria essa declaração. Foi o que ela fez em 2014, quando, em campanha à
reeleição, tachou de “extremamente infeliz” a fala de um auxiliar que recomendou à
população substituir carne por ovo para driblar a inflação.
ESFORÇO - Haddad: luta quase solitária para equilibrar as contas (Pedro Gontijo/Agência Senado)
Além de dar munição à oposição, o presidente tem contribuído para as trombadas internas
de sua equipe. Parlamentares, cientistas políticos e agentes econômicos debitam na conta
de Lula a responsabilidade pela percepção generalizada de enfraquecimento do ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, que luta quase sozinho para equilibrar as contas públicas.
No fim do ano passado, Haddad conseguiu aprovar um pacote de contenção de gastos,
inclusive com a adoção de um teto para a política de valorização do salário mínimo, mas o
plano foi considerado insuficiente para conter o crescimento das despesas obrigatórias e
da dívida pública. Visto como derrotado no caso, o ministro evitou reclamar do chefe,
alegando que o presidente — ao vetar determinadas iniciativas — levou em consideração
a dimensão social da questão e agiu para impedir que o ajuste recaísse apenas sobre as
costas dos mais pobres. Apesar disso, diante da crise de credibilidade do governo na
condução da política fiscal, Haddad declarou que novas medidas poderiam ser adotadas.
Sob pressão da direita e da esquerda, o ministro sempre trabalhou com a ideia de fazer um
ajuste gradativo e tentou fortalecer esse conceito. Faltou combinar com Lula, que afirmou
de forma contundente, no fim de janeiro, não haver nova medida fiscal prevista para este
ano.
NA GAVETA - Lewandowski: proposta do ministro para segurança não andou (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
Disciplinado, Haddad não polemiza em público. Nos bastidores, no entanto, reclama da
versão de que está fraco e não poupa críticas ao chefe da Casa Civil, Rui Costa,
apontado como o principal sabotador de seu trabalho. A disputa entre os dois é antiga, e
Lula, como de praxe, deixa a rusga correr solta. Sob reserva, alguns dos mais
importantes auxiliares do presidente dizem que essa rivalidade entre os dois ministros
interdita o governo. No Congresso e na Esplanada, políticos afirmam que Rui Costa, o
capitão do time, aquele que deveria coordenar os trabalhos, desune, tensiona e atrapalha
o elenco. É o que está ocorrendo, por exemplo, na sensível área da segurança pública,
que figura no topo das preocupações do eleitorado e é empunhada como bandeira pela
direita. Desde que assumiu o Ministério da Justiça, Ricardo Lewandowski tem como
prioridade a apresentação de uma “PEC da Segurança Pública”, que, além de fortalecer
corporações como a Polícia Federal, daria ao governo um discurso para o embate com a
oposição. Antes de uma reunião de Lula com os governadores para tratar do tema, Rui
Costa disse ao presidente que era contra a PEC. E que não caberia trazer o problema da
segurança — de competência dos estados, segundo a Constituição — para dentro do
Palácio do Planalto.
ATRITOS - Rui Costa: o chefe da Casa Civil não é benquisto por vários colegas (Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)
A reunião ocorreu, Lula debateu com os governadores e Lewandowski fez ajustes na
minuta do texto com base no que ouviu. Mesmo assim, a proposta ainda não foi sequer
protocolada no Congresso. Nem será, se depender do irredutível Rui Costa. Não é um
caso isolado. Prometida pelo presidente na campanha eleitoral de 2022 e novamente no
ano passado, a Autoridade Climática continua engavetada devido a divergências entre o
chefe da Casa Civil e a ministra de Meio Ambiente, Marina Silva. Nas negociações
sobre a reforma ministerial, líderes do Centrão estão pressionando pela demissão de Rui
Costa, repetindo uma sugestão que o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
deu a Lula ainda no primeiro semestre de 2023. Apesar da coleção de atritos e
inimizades, o ministro continua firme no cargo e não foge de eventuais desgastes. Em
mais um episódio ilustrativo da falta de entrosamento no governo, ele divulgou uma nota
para negar a existência de um estudo sobre um possível aumento no valor do Bolsa
Família. Foi uma resposta à entrevista na qual o ministro do Desenvolvimento Social,
Wellington Dias, deu a entender que o benefício poderia ser melhorado para neutralizar
os efeitos da inflação dos alimentos.
À frente de uma das pastas mais cobiçadas, Wellington Dias não tem uma atuação
destacada. No ano passado, sua demissão chegou a ser cogitada porque, segundo
governistas, ele gera poucos dividendos de imagem para o presidente, mesmo com
instrumentos poderosos à disposição, como o próprio Bolsa Família, cujo orçamento foi
de 168,3 bilhões de reais em 2024. Antes esse fosse o seu único problema. O jornal O
Globo revelou que ONGs contratadas pelo ministério para distribuir quentinhas nas ruas
de São Paulo, ligadas a parlamentares do PT, não entregaram as refeições previstas em
contrato com o governo federal. O dinheiro desembolsado para garantir marmitas a
pessoas em situação de vulnerabilidade, como moradores de rua, foi embolsado sem a
devida prestação do serviço. Após a divulgação do caso, o Ministério do
Desenvolvimento Social acionou a Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União
(CGU) para apurar a suspeita de desvio de verba. Já o partido Novo pediu ao Tribunal
de Contas da União (TCU) que investigue o caso e suspenda os repasses às ONGs. A
respeito da denúncia, Wellington Dias disse que, se forem comprovadas as
irregularidades, as devidas providências serão tomadas no caso.
Como se sabe, escândalos de corrupção abalaram governos anteriores do PT. Hoje, o
tema ainda figura entre os principais problemas citados pelo eleitorado, conforme
pesquisa divulgada pela AtlasIntel em parceria com a Bloomberg (veja o quadro). Lula
considera a questão página virada, mas ela assombra o seu atual mandato. Relatório
divulgado pela Transparência Internacional detectou um aumento da percepção pela
população de que existe corrupção no Brasil. No ano passado, o país ficou na posição
107 entre 180 nações, a pior registrada desde o início do levantamento. Numa pontuação
entre zero, que significa corrupção extrema, e 100, o auge da integridade, o Brasil
marcou apenas 34 pontos, empatando, por exemplo, comArgélia e Nepal. Na rodada
anterior, o país estava em 104º. Um dos motivos para a piora de desempenho foi o
desmonte da luta contra a corrupção nos últimos anos. Titular da CGU, o ministro
Vinicius Marques de Carvalho contestou a conclusão da Transparência Internacional.
Ele reconhece a gravidade do problema, considera-o multifacetado e afirma que não
existe uma bala de prata para resolvê-lo. Mas Carvalho também argumenta que muitas
vezes a população coloca na conta da corrupção problemas que têm outras origens.
“Olham para os serviços públicos eventualmente de baixa qualidade e dizem: ‘Isso aqui
é assim por conta da corrupção’ ”. Desvio de verba de quentinha, obviamente, não se
enquadra na tese do ministro.
DENÚNCIA - Dias: ONGs receberam o dinheiro, mas não entregaram marmitas a pessoas em situação de vulnerabilidade (Roberta Aline/MDS/.)
Os problemas não param por aí. Transcorrida a metade do terceiro mandato de Lula, a
rejeição aos principais nomes do governo cresceu de forma considerável. De acordo
com a pesquisa da AtlasIntel/Bloomberg, Lula tem uma imagem positiva para 42% dos
entrevistados, e negativa para 51%. Fernando Haddad ostenta números parecidos (42%
e 52%). Já a primeira-dama da República, Rosângela da Silva, tão empenhada em
“ressignificar” sua função e conquistar protagonismo, colheu um resultado bem pior:
32% de imagem positiva e 58% de negativa. Janja, que representou o governo brasileiro
numa reunião do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola, na Itália, onde se
encontrou com o papa Francisco, tem a imagem muito mais arranhada do que a de
Jair Bolsonaro (38% positiva e 57% negativa) e a da ex-primeira-dama Michelle (42%
positiva e 52% negativa). Apesar de diferentes pesquisas mostrarem que a reprovação
ao trabalho do presidente e do governo superou, pela primeira vez, a aprovação, Lula
continua liderando as pesquisas de intenção de voto para a próxima corrida
presidencial, mas vários candidatos de oposição se mostram competitivos. Em alguns
cenários, inclusive, Lula aparece em empate técnico com o segundo colocado.
O petista, como admitem seus próprios aliados, tem pouca ou quase nenhuma gordura
para queimar. Nada que o impeça de colecionar tropeços. Na segunda 10, Lula criticou
prefeitos que elogiam a educação pública, mas matriculam os filhos em instituições de
ensino particulares. Numa solenidade oficial, ele disse que o país só dará certo no dia
em que a classe média voltar para a escola pública. Com a declaração, o presidente
confrontou o próprio histórico familiar, já que quatro de seus filhos estudaram em escola
particular na década de 1990. Foi mais uma bola fora do outrora craque da política. E o
jogo vai ficar mais duro. Haddad já avisou o presidente de que o crescimento em 2025
será menor do que no ano passado, algo entre 2% e 2,5%, mas que isso será importante
para debelar a inflação e pavimentar o caminho para um novo impulso do PIB em 2026,
ano eleitoral. Resta saber qual será o impacto dessa desaceleração no bolso do
eleitorado. Há temor de que Lula possa apelar para o populismo e iniciativas
eleitoreiras a qualquer sinal de maior desgaste.
REPROVADA - Janja com o papa Francisco: imagem negativa apesar do esforço (@janjalula/Instagram)
Decisões equivocadas, problemas na economia, tropeços políticos, corrupção, falta de
sintonia entre os ministros. Por enquanto, certa mesmo só a reformulação na estratégia
de comunicação, centrada na autopromoção do presidente, que, às vezes, parece alheio à
realidade. Numa mensagem publicada na quarta 12, Lula disse que tem dois anos
“primorosos” pela frente, os mais importantes da vida dele, nos quais precisa entregar
tudo aquilo que prometeu. Precisa mesmo. Se quiser recuperar prestígio, o presidente
tem de lacrar, engajar, influenciar e ganhar likes não só nas redes sociais, mas
principalmente no exercício da função para a qual foi eleito. Caminhar na direção
correta seria um bom começo.
Colaboraram Laryssa Borges e Marcela Mattos
(* Com Informações da Veja)