Atualizada em 08/03/2025 09:34
DESAFIO - Lula e Sidônio: falta de rumo e poucos resultados a apresentar dificultam a tarefa de convencer pelas palavras (Ricardo Stuckert/PR)
Marqueteiro Sidônio Palmeira aposta na superexposição do presidente, esperando que ele reedite os feitos do passado. Até agora, não deu certo
Desde os tempos de líder sindical, Lula carrega a fama de exímio comunicador, hábil
negociador e encantador de plateias. Petistas sempre festejaram seus improvisos e
discursos oficiais como um instrumento político poderoso, capaz de impulsionar o
governo, garantir vitórias eleitorais ao PT e reverter conjunturas desfavoráveis. No
terceiro mandato, no entanto, a lábia do presidente não seduz como antigamente. Pelo
contrário, tem provocado mais desgaste de imagem ao misturar uma sucessão de gafes
com desatinos multidisciplinares, especialmente na área da economia. Aos ouvidos de
boa parte do eleitorado, o craque de outrora soa ultrapassado e distante da realidade, o
que resulta no menor nível histórico de aprovação ao petista — de 24%, segundo o
Datafolha — e no aumento acelerado da reprovação, que já supera a casa dos 60% nos
maiores colégios eleitorais do país. Apesar dos resultados das pesquisas, a nova equipe
de comunicação do governo, chefiada pelo marqueteiro Sidônio Palmeira, resolveu
apostar na superexposição de Lula para recuperar a popularidade perdida, esperando
que ele honre a antiga reputação e reedite os feitos do passado. Até agora, não deu certo.
“Eu estou comendo agora ovo de ema. O ovo de ema é desse tamanho e equivale a 12 ovos de galinha. Fui pesquisar se eu podia comer e eu posso comer, porque tenho 70 emas no Palácio da Alvorada” – Lula ao falar do aumento do preço dos alimentos (Ricardo Stuckert/PR)
Desde o início do ano, o presidente acelerou uma agenda de viagens e entrevistas pelo
país. Nelas, acumula declarações desastradas que, muitas vezes, servem de munição
para a oposição. Foi o que ocorreu no caso da inflação dos alimentos, um dos motivos
para o crescimento da rejeição ao governo nos últimos meses. Pressionado pelo tema, o
presidente, numa entrevista a uma rádio da Bahia, tentou terceirizar para a população a
tarefa de combater a carestia. “Uma das coisas mais importantes para que a gente possa
controlar o preço é o próprio povo. Se você vai ao supermercado aí em Salvador e você
desconfia que tal produto está caro, você não compra”, disse Lula. “Se todo mundo tiver
essa consciência e não comprar aquilo que acha que está caro, quem está vendendo vai
ter que baixar para vender, porque, senão, vai estragar.” A reação foi imediata: as
críticas à declaração ganharam as redes sociais, arena na qual a esquerda toma uma
surra dos apoiadores de Jair Bolsonaro. Considerado o principal responsável pela falta
de credibilidade do governo na condução da política econômica, o presidente tem
disparado outros tiros no pé em assuntos que afetam o bolso do eleitor. Numa fala de
improviso durante o anúncio do Programa de Renovação da Frota Naval do Sistema
Petrobras, emAngra dos Reis, no mês passado, Lula tentou fazer graça com a delicada
questão do preço dos combustíveis. Foi outro tiro no pé. “Eu não defendo a Petrobras
porque como petróleo, não como. Porque bebo gasolina, não bebo. Eu bebo outro
álcool, a gasolina não”, afirmou, numa mistura de “lulês” com “dilmês”.
Desde a posse de Sidônio Palmeira na chefia da Secretaria de Comunicação Social, em
janeiro, Lula fez dezoito discursos oficiais, que duraram em torno de vinte minutos cada
um, e deu entrevistas para oito rádios regionais. O plano do marqueteiro é que o
presidente seja o motor da produção de conteúdo, o protagonista da propaganda oficial,
até porque deve concorrer à reeleição em 2026. A ideia é usar cada oportunidade para
apresentar resultados de programas e tentar mostrar eficiência na condução do país. O
problema é que os improvisos, que antes abrilhantavam as falas do petista, ajudando-o a
conquistar corações e mentes, agora estão produzindo muitos constrangimentos.
“Não sou nem marido, eu sou um amante da democracia. Porque, a maioria das vezes, os amantes são mais apaixonados pela amante do que pelas mulheres” – Lula em declaração capaz de constranger até a primeira-dama Janja (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)
Em 13 de fevereiro, Lula participou de uma cerimônia de entrega de terras da União
para o estado do Amapá, reduto eleitoral do novo presidente do Senado, Davi
Alcolumbre. Com as redes sociais fervilhando em razão do encarecimento do ovo de
galinha, soltou outra pérola. “Eu estou comendo agora sabe o quê? O ovo de ema. O ovo
de ema é deste tamanho, um ovo de ema equivale a 12 ovos de galinha”, afirmou. “Eu fui
pesquisar se eu podia comer, e eu posso comer, porque eu tenho 70 emas lá no Palácio
da Alvorada, 70 emas. Elas botam ovo do tamanho da cabeça de vocês.” Não bastasse a
repercussão negativa no universo digital, levantou a bola para a oposição. O deputado
federal Kim Kataguiri aproveitou a deixa, acionando a Procuradoria-Geral da República
(PGR) para apurar suposto crime ambiental de Lula, por comer ovo de animal silvestre.
Seis dias depois, o presidente voltou à carga e — em vez de prometer empenho para
melhorar a infraestrutura da cidade de Belém, que sediará a conferência do clima,
COP30, em novembro — novamente tentou dividir a responsabilidade pela solução do
problema. “Se não tiver hotel cinco estrelas, durma em um de quatro. Se não tiver um de
quatro, durma em um de três. Se não tiver um de três, durma olhando para o céu, que vai
ser maravilhoso.” O presidente, obviamente, não precisará seguir tal recomendação.
De acordo com as pesquisas, o derretimento da imagem de Lula ocorreu até em pilares
de sua base de apoio, como as mulheres. A inflação da comida e a criminalidade são
dínamos do desgaste nesse segmento, que também anda incomodado com as declarações
do mandatário. Em uma delas, transbordando etarismo, o presidente chamou de velha
uma senhora de 50 anos. Com outra, tipicamente machista, deve ter causado repulsa até
na primeira-dama da República, Rosângela da Silva, a Janja. “Não sou nem marido, eu
sou um amante da democracia, porque, a maioria das vezes, os amantes são mais
apaixonados pela amante do que pelas mulheres. E eu sou um amante da democracia
porque eu conheço o valor dela”, afirmou na solenidade organizada para lembrar os dois
anos da invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília.
“Eu não defendo a Petrobras porque eu como petróleo, não como. Porque eu bebo gasolina, não bebo. Eu bebo outro álcool, a gasolina, não” – Lula em discurso aos funcionários da Petrobras (Ricardo Stuckert/PR)
Apesar da reputação de craque, Lula sempre cometeu gafes na carreira, mas elas eram
perdoadas ou minimizadas diante dos resultados de suas gestões anteriores. Um bom
repertório, como se sabe, pode ajudar um cantor mediano a conquistar a plateia. Já um
péssimo repertório só tem sobrevida na voz de um virtuose. Aí está o problema do
terceiro mandato de Lula, que tem poucos resultados a apresentar e sofre com a falta de
rumo. “Lula hoje passa para parte dos eleitores a imagem de um político cansado e
longe do entusiasmo que o movia no passado”, diz Luciana Fernandes Veiga, professora
da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e coordenadora do mestrado em
comunicação digital e cultura de dados da FGV Comunicação. “É importante o conteúdo
da fala, importante comunicar como o seu governo tem melhorado a vida das pessoas. A
maior exposição do presidente deve ser acompanhada sempre por comunicação de
entrega de resultados”, acrescenta a especialista. Quando não há muito o que mostrar,
Lula corre o risco de virar personagem do velho ditado popular: quem fala demais,
morre pela boca.
* Publicado em VEJA/ março de 2025