Atualizada em 19/01/2024 09:53
A área econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda criar um teto para o desconto de despesas médicas no IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), a exemplo da regra existente atualmente para gastos com educação.
O tema é sensível politicamente, mas técnicos do governo avaliam que a falta de um limite acaba privilegiando contribuintes com renda mais alta. Além disso, o abatimento tem sido fonte de abusos e um ralo para a arrecadação pública.
Um exemplo conhecido dessas distorções, que há muitos anos as diferentes administrações tentam conter, é o desconto de despesas com botox (substância usada em procedimentos estéticos) —em muitos casos declarado como um gasto voltado ao tratamento de doenças dermatológicas.
A legislação brasileira permite que despesas com médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, exames laboratoriais, hospitais, clínicas e planos de saúde sejam abatidas integralmente da base de cálculo do IR a ser pago, independentemente do valor.
Como as alíquotas são estimadas sobre uma base menor, o contribuinte recolhe menos imposto.
O valor da renúncia ligada à dedução das despesas médicas no IRPF foi crescente na última década, passando de R$ 11,8 bilhões em 2010 para R$ 18,3 bilhões em 2020 (em valores de 2020).
Em 2022, o montante total de gastos com saúde deduzido pelos contribuintes chegou a R$ 128 bilhões. Ao não cobrar imposto sobre esses valores, a Receita teve uma perda de arrecadação de R$ 17 bilhões, segundo dados do órgão.
Um relatório anterior do governo mostrou que apenas 0,8% das deduções médicas são usadas pelos 50% mais pobres da população, enquanto 88% contemplam os 20% com maior renda.
As discussões sobre o IR fazem parte de uma força-tarefa para identificar políticas públicas que possam ser reformuladas ou até mesmo revistas para abrir espaço no Orçamento nos próximos anos.
A viabilidade técnica e política dessas iniciativas será alvo de discussão na JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado formado pelos ministros da Fazenda, Planejamento, Casa Civil e Gestão.
O grupo vai analisar uma lista de políticas que poderão ser modificadas, debater quais são viáveis e dar sinal verde para o Executivo buscar as mudanças necessárias. O objetivo dessa estratégia é obter respaldo político dentro do próprio governo para bancar as alterações, muitas delas impopulares.
Além disso, o governo quer usar o fórum da JEO para instituir uma espécie de incentivo aos órgãos para ampliar a eficiência de suas políticas. Uma ideia preliminar é preservar de eventuais contingenciamentos aqueles ministérios mais empenhados na revisão, que também poderiam ganhar prioridade nas solicitações de recursos decididas pela junta de ministros.
Em janeiro de 2023, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) defendeu um pente-fino nas deduções do Imposto de Renda. “A primeira providência é fazer um pente-fino em abuso. Toda vez que não tem teto, limite de dedução, se identifica abuso”, disse à época, em entrevista ao portal Brasil 247.
O tema, porém, é sensível e deve acirrar os debates dentro do governo.
Na MP (medida provisória) da reoneração da folha de pagamentos dos 17 setores, uma prévia desse debate já levou à proposta de fim do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) —criado durante a pandemia e que resultou em uma renúncia até sete vezes o previsto, segundo a equipe econômica.
O novo arcabouço fiscal atrela o reequilíbrio das contas públicas em grande parte ao aumento da arrecadação, mas há uma avaliação entre técnicos de que a munição de Haddad para elevar receitas pode estar no fim —o que fortalece o movimento de avaliação na parte das despesas.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, manifestou essa opinião recentemente.
“A gente tem uma renda per capita relativamente baixa para uma carga fiscal que é relativamente alta. Então, mostra que tem pouco espaço de manobra em termos de arrecadação adicional”, disse há menos de um mês.
[Folha Uol]