Governos do Brasil e dos EUA trabalham para que Lula e Trump se encontrem na Malásia entre 26 e 27 de outubro; situação da Venezuela deve estar na pauta. Foto: Ricardo Stuckert/PR; Daniel Torok/The Wite House; Jesus Vargas/AP
(Por Felipe Frazão do Estadão)
BRASÍLIA – Os governos de Brasil e Estados Unidos trabalham nos preparativos para que a futura reunião entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump ocorra na Malásia, entre 26 e 27 de outubro. No encontro, Lula está decidido a tentar dissuadir Trump de ações militares contra a Venezuela.
O presidente brasileiro tem feito seguidos discursos públicos de reprovação à operação militar aérea e naval no Mar do Caribe, que tem envolvido bombardeio de pequenas embarcações. Lula também já fez um alerta a Trump sobre os efeitos negativos para o Brasil e a América do Sul de uma eventual intervenção militar “desastrada”.
Segundo diplomatas, o cenário preocupa não somente os vizinhos fronteiriços, mas europeus como França e Países Baixos, que possuem territórios no entorno venezuelano, por causa do potencial de deslocamento forçado de pessoas.
Apesar de o Brasil não ter publicado uma única nota própria a respeito, o governo nega qualquer possibilidade de se omitir para não prejudicar as negociações comerciais. O governo tem clareza de que a manifestação dura e contrária de Lula pode criar obstáculos. Mas o petista vai dizer a Trump que se opõe e que uma ação militar pode desestabilzar os governos sul-americanos – e facilitar a operação do crime organizado.
Um integrante do Palácio do Planalto que discute o tema afirma que o Brasil não vai “vender a vizinhança para ganhar uns trocadinhos em matéria de retirada de sanção”. Até agora, houve apenas críticas abertas de Lula, inclusive na ONU, e de autoridades diplomáticas de alto nível, como o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) e o assessor especial Celso Amorim.
O Brasil ainda não explorou com os americanos se poderia desempenhar um papel de mediação, pelo fato de manter canal diplomático ativo entre chanceleres e presença em Caracas, apesar do distanciamento recente de Lula e do ditador Nicolás Maduro.
A interpretação de Brasília é que o tamanho da operação militar americana permite algum ataque pontual, que poderia mirar autoridades militares chavistas, embora não uma invasão. O temor aumentou com a confirmação de que Trump autorizou a CIA, agência de inteligência americana, a operar em Caracas.
Ponderam ainda que o contingente com caças e navios de guerra – e cerca de 10 mil militares – não se justifica pelo fato de a maior parte da droga entrar nos EUA clandestinamente pelo Pacífico e não pelo Caribe. O Brasil rejeitou a busca de respaldo internacional de Washington para combater facções com Forças Armadas equiparando-as ao terrorismo.
Reunião em curto prazo
O Palácio do Planalto e o Itamaraty desejam realizar um encontro rapidamente para consolidar um “novo momento político” entre os dois países. Os americanos também indicaram preferir um encontro “com certa rapidez”, segundo autoridades brasileiras envolvidas na preparação.
A organização do encontro na Malásia foi um dos temas discutidos na quinta-feira, dia 26, pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, e pelo secretário de Estado americano, Marco Rubio. Os dois governos divulgaram comunicado conjunto defendendo um encontro na “primeira oportunidade possível”.
Uma foto de Lula e Trump juntos tem potencial político de grande repercussão, o que interessa ao Palácio do Planalto, inclusive eleitoralmente.
Para um estrategista de Lula, quanto mais a relação for consolidada em alto nível, mais se reduz o espaço para quem deseja “dinamitá-la”. O encontro e a imagem, nesse sentido, sinalizariam como um veto à ação de atores nos EUA contrários à reaproximação entre os países, sejam eles do bolsonarismo, sejam membros do próprio governo Trump.
O fator de risco seria um eventual conflito de agenda. Depois da visita de Estado a Jacarta, Indonésia, no dia 23 outubro, Lula desembarcará no dia 24 em Kuala Lumpur e ficará até o dia 28. A Casa Branca ainda não oficializou o roteiro de Trump na Ásia, mas pela previsão informada ele vai estar na capital da Malásia ao menos no dia 26. Há, portanto, uma janela para o novo encontro, e o governo brasileiro recebeu sinais positivos para que ocorra.
O cenário ideial, para os dois lados, seria que Lula e Trump já saíssem da Malásia com algum tipo de acordo anunciado. Um integrante do governo petista diz que isso é possível, porque o diagnóstico da relação já foi extensamente estudado e cada lado sabe “exatamente” o que o outro quer. As condições estão dadas para uma definição rápida, segundo esse membro do governo Lula.
A reunião em curtíssimo prazo, porém, dificulta encontrar um ponto de acordo entre eles, ou identificar o que o Brasil pode ceder. Pelo estilo Trump de negociação, o governo Lula entende que o americano não vai recuar sem levar algo para “vender como vitória sua”.
Se não acharem um ponto de acordo imediato, a saída estudada é que Lula e Trump anunciem um processo de negociação estruturado e com cronograma, como ocorreu com outros países na negociação bilateral do tarifaço. Não há expectativa de que os dois lados fiquem plenamente satisfeitos.

Apesar do otimismo em relação à abertura ao diálogo, o governo admite que ainda não conseguiu resultados concretos em seus pleitos e que, até agora, seguem vigentes o tarifaço de 50%, a cassação de vistos e o cerco da Lei Magnistky a autoridades do Judiciário e do Executivo. Lula já pediu a revogação das medidas punitivas e da sobretaxa de 40%, mas não houve concessões.
Entre os temas de interesse mútuo está o setor de energia. O governo americano quer avançar sobre as pautas do etanol e de minerais críticos – já que as reservas brasileiras de terras raras, entre outros recursos, podem ajudar a reduzir a dependência americana de fontes da China. O Brasil quer o processamento nacional, o que pode ser um complicador.
Integrantes do governo Lula veem a expansão chinesa como a grande disputa de fundo de Trump na América Latina, mas dizem que o País não vai abrir mão da relação comercial e econômica privilegiada com Pequim. Se Trump pedir um afastamento, como fez com Panamá e Argentina, deve ouvir um sonoro “no way”, resumiu uma autoridade do Planalto.
Em Washington, as últimas conversas não teriam envolvido menções diretas à China, tampouco pautas correlatas como o Brics e os planos de desdolarização, como a criação de uma moeda alternativa para comércio exterior, antes incentivada por Lula. Tampouco foram mencionados processos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o papel do Supremo Tribunal Federal e a campanha do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) in loco.
Na mesa do lado brasileiro, uma das possíveis concessões seria no acesso do etanol americano – a diferença de tarifas pré-sobretaxas (18% no Brasil a 2,5% nos EUA) é uma queixa recorrente da relação, mas o Brasil deve pedir também uma contrapartida no açúcar, que entra nos EUA por meio de cotas.
Está no radar do governo Lula que Trump possa anunciar uma exceção ao café a todos os países, por causa da inflação interna recorde registrada após o tarifaço (cerca de 20% em agosto). A medida beneficiaria diretamente o Brasil, responsável por abastecer 30% do mercado doméstico nos EUA.
Em contatos do setor privado, lobistas e empresários têm levado como “brinde” a autoridades do governo americano bolsas com grãos nobres de café arábica brasileiro, e chegaram a ouvir que o preço atual podeira impedi-los de aceitar o presente, para cumprir as regras da administração local. Eles também têm citado, como argumento, produtos que impactam financeiramente os custos de vida da classe média americana, como madeira para batente de portas na construção civil.
Prévia de Rubio e Vieira
Esse cenário fez parte das conversas privada e ampliada dos chanceleres na quinta-feira passada. E dos relatos feitos pelo brasileiro a Lula e sua equipe, presencialmente no Palácio da Alvorada, e por telefone.
Rubio e Vieira conversaram a sós por cerca de 20 minutos, no Edifício Eisenhower, que abriga escritórios de autoridades da Casa Branca. Em seguida, reuniram equipes diplomáticas e comerciais dos dois governos.
Autoridades que ouviram dois relatos do próprio Vieira a Lula entendem que o ministro já antecipou a Rubio o temor brasileiro das consequências de um ataque ao território venezuelano.
Além disso, os americanos citaram na conversa que têm interesses em jogo nas propostas de regulação de big techs que o governo Lula patrocina no Brasil.

O governo se diz pronto a discutir qualquer ponto que eles considerem discriminação ou que traga prejuízo a empresas americanas, mas pretende avançar na regulação financeira, de crimes virtuais, discurso de ódio e pornografia infantil.
Segundo um relato colhido pela reportagem, Marco Rubio e Jamieson Greer, representante comercial americano, não teriam mencionado preocupações com a liberdade de expressão ou acusado o País de censura na conversa privada, embora o façam reiteradamente em público.
Em ao menos uma ocasião, interlocutores de Trump teriam demonstrado preocupação com o assunto. Na visita secreta ao Rio revelada pelo Estadão, feita há um mês, o enviado especial Richard Grenell citou o processo do ex-presidente Jair Bolsonaro e o caso das empresas Rumble Media e X e pediu que o governo se comunicasse com elas antes da adoção de restrições à operação.
Nesta sexta-feira, o Itamaraty divulgou não somente a versão da foto de Rubio e Vieira produzida pela Embaixada do Brasil em Washington. Diante de interpretações disseminadas pela oposição de que eles não teriam sequer apertado as mãos, o ministério circulou no X a foto do cumprimento feita pelo próprio Departamento de Estado.
Pelo esquema combinado, Rubio e Vieira vão tocar em privado – e junto aos presidentes – os temas políticos mais conflituosos. As equipes técnicas ministeriais, em contato com eles, cuidaram dos aspectos econômico-comerciais.
Após o encontro de ontem com o Secretário de Estado Marco Rubio e o Representante de Comércio Jamieson Greer, o Ministro Mauro Vieira deu uma declaração à imprensa em Washington.
Assista à íntegra: https://t.co/EgJngwRPhl
📸: Freddie Everett/U.S Department of State pic.twitter.com/vfyk3f8HsK
— Itamaraty Brasil 🇧🇷 (@ItamaratyGovBr) October 17, 2025

