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quarta-feira, 26 de novembro de 2025
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Opinião: Três palavras devem guiar a estratégia brasileira para fazer Trump recuar: emprego, inflação e China

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, durante reunião em Kerrville, Texas, no dia 11 de julho de 2025. Foto: Ricardo B. Brazziell/AP

Setor privado americano terá papel central na resposta à ameaça tarifária da Casa Branca

Trump diz que poderá conversar com Lula em ‘algum momento’ sobre tarifas, mas ‘não agora’

A ameaça tarifária de Donald Trump representa o maior desafio da política externa do Brasil desde que o presidente Lula voltou ao poder. Ela tem o potencial de abalar a economia brasileira e a relação bilateral com os EUA, principal fonte de investimento estrangeiro direto no país.

Três fatores complicam qualquer possível resolução. Em primeiro lugar, duas demandas-chave da carta publicada pelo presidente Trump, escrita em tom altamente ofensivo, não estão sujeitas a negociação com governos estrangeiros e não têm a mínima chance de avançar. Afinal, tanto o julgamento de Bolsonaro quanto os processos contra as plataformas digitais são decisões do Judiciário brasileiro.

É impossível saber se assessores de Trump o alertaram de que, no Brasil, o presidente não controla o Judiciário. Não é a primeira vez que o presidente mostra desconhecimento sobre a política doméstica de outro país: Trump também enviou uma carta com ameaças tarifarias ao rei da Tailândia, cuja função é, em grande parte, simbólica e não envolve decisões sobre esse tipo de assunto.

De qualquer forma, a ênfase na política interna brasileira reflete o estado precário da relação entre as administrações Trump e Lula. Em conversas informais com integrantes do governo americano, impressiona a hostilidade ao governo Lula, o que sugere que alguns deles obtêm informações sobre o cenário político brasileiro de fontes ligadas ao bolsonarismo. É um cenário completamente distinto dos anos 2000, quando Bush e Lula, apesar das divergências ideológicas, mantiveram um diálogo amplo e surpreendentemente produtivo.

O segundo problema é que, como o Brasil é apenas o décimo quinto maior parceiro comercial dos EUA, o impacto macroeconômico da implementação de tarifas elevadas sobre produtos brasileiros seria limitado para os Estados Unidos. No dia em que Trump publicou a carta para o presidente brasileiro em sua rede social, o assunto não dominou o debate público americano, nem assustou os mercados. Ou seja: Trump não enfrenta pressão ampla para recuar ou adiar as tarifas contra o Brasil.

Em terceiro, como o Brasil geralmente voa fora do radar da política de Washington (estratégia que, em parte, deu certo), governos brasileiros nunca investiram na criação de uma estrutura na capital americana que pudesse ser facilmente acionada em tempos de crise para defender interesses brasileiros em praça pública. Países como México, Israel e Índia, por exemplo, mantêm operações altamente sofisticadas em Washington, envolvendo institutos de pesquisa (conhecidos como think tanks), lideranças comunitárias, centros culturais, associações setoriais e relações cultivadas por anos com assessores no Legislativo, bem como nos governos estaduais dos EUA.

Mesmo assim, seria um erro acreditar que o Brasil não dispõe de aliados nos EUA que, no melhor cenário, podem vir a convencer Trump a recuar. Além de uma possível negociação oficial – que teria como único objeto questões tarifárias, excluindo os processos contra Bolsonaro e empresas tecnológicas –, a diplomacia brasileira pode ter papel importante na coordenação e mobilização de grupos nos EUA que seriam mais prejudicados pelas tarifas sobre importações brasileiras. Isso inclui setores como construção civil, manufatura, alimentos e bebidas. Materiais como cimento, aço, madeira, pedras ornamentais, parafusos e outros insumos básicos viriam com custos mais altos. Empresas que atuam no sul dos EUA — como na Flórida e na Geórgia — veriam o custo do cimento disparar, prejudicando obras públicas e privadas. Outro setor que sofreria é o automotivo.

Mesmo que não comprassem peças diretamente do Brasil, as montadoras americanas seriam atingidas pelo aumento geral do preço do aço. No setor aeroespacial, empresas que operam jatos regionais fabricados pela Embraer podem adiar ou cancelar aquisições, prejudicando a renovação de frotas. No mercado de alimentos, produtos como café, suco de laranja e carne enlatada também ficariam mais caros. O preço do café em supermercados e cafeterias subiria quase imediatamente. Frente a esses impactos, associações empresariais e políticos locais devem pressionar a Casa Branca por exceções. Estados como Flórida, Texas, Ohio e Michigan têm economias fortemente integradas a essas cadeias produtivas.

Essa atuação deve centrar-se em duas ideias: tarifar importações brasileiras ameaça milhares de empregos em numerosos condados americanos, o que pode afetar negativamente os candidatos do Partido Republicano nas eleições parlamentares no ano que vem. Além disso, tarifas sobre produtos brasileiros podem elevar a inflação, tema sensível que pode influenciar a taxa de aprovação do governo Trump.

Por fim, tanto empresários e investidores quanto diplomatas brasileiros, em suas conversas com integrantes da Casa Branca, não devem se cansar de apontar o óbvio: as tarifas seriam um golpe em cima daqueles que no Brasil defendem relações mais sólidas com os Estados Unidos. A incerteza decorrente das ameaças tarifárias enfraquece a presença dos EUA no Brasil e fortalece outros atores como a China – justamente o país cuja ascensão Trump deseja conter.

Foto do autor
Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

(Estadão)

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