Atualizada em 18/05/2025 07:37
Em outubro de 2015, oito manifestantes ficaram algemados, durante nove dias, nas pilastras do salão verde da Câmara dos Deputados, em Brasília. O objetivo era pressionar o então presidente da Casa, Eduardo Cunha, à época no MDB, a aceitar um dos 37 pedidos de impeachment contra Dilma Rousseff (PT). Entre os acampados estava Carla Zambelli, a líder do protesto, que mobilizava a militância com entradas ao vivo pela internet.
“A gente perguntava para os políticos: ‘você é a favor do impeachment?’ Se fosse, ele assinava um painel”, lembra a deputada federal do PL, em entrevista por videoconferência, horas antes de ser considerada culpada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) pelos crimes de falsificação ideológica e invasão de dispositivo informático.
Uma década depois do protesto “Algemados pelo Impeachment”, Zambelli, 44, pode ser presa, agora no sistema penitenciário.
No entendimento dos ministros do STF, a deputada, que foi a face do bolsonarismo no Congresso até cair no ostracismo logo depois das eleições de 2022, orientou o hacker Walter Delgatti a invadir o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para forjar documentos falsos, entre os quais um mandado de prisão para o ministro Alexandre de Moraes, e causar tumulto político no país.
Caso os recursos da defesa não sejam acatados, a deputada perderá o mandato, ficará inelegível e cumprirá a pena de dez anos de prisão, seguindo a decisão unânime dos cinco ministros da Primeira Turma do STF. Delgatti, por sua vez, foi condenado a oito anos de prisão.
“Eu tenho um pouco de receio das outras mulheres na cadeia, né? Porque eu nunca sei o que vou encontrar, mas eu também luto, então não tenho medo de apanhar. O maior problema é ficar longe da família”, diz a deputada, relatando temer por sua saúde.
Ela afirma ter recebido o diagnóstico de três doenças: síndrome de Ehlers-Danlos, que causa hipermobilidade nas articulações, síndrome de taquicardia postural ortostática, que provoca tontura e aumento da frequência cardíaca quando alguém se levanta, e depressão. Zambelli diz nunca ter cometido qualquer crime e afirma ser vítima de uma perseguição, mas sua vida política está ameaçada também por outros dois processos.
Em janeiro, o TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral) decidiu cassar o seu mandato por desinformação eleitoral. Dois meses depois, o STF formou maioria para condená-la a cinco anos de prisão em regime semiaberto por porte ilegal de arma de fogo e constrangimento ilegal. Na véspera do segundo turno das eleições, a parlamentar ameaçou atirar em um homem, nos Jardins, na zona oeste paulistana, depois de ter sido, segundo conta, hostilizada por um militante de esquerda. Foi o começo da derrocada de Zambelli.
Não tardou para que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) atribuísse sua derrota eleitoral, há três anos, àquele episódio. Pouco a pouco, a parlamentar viu se afastarem seus antigos aliados, a tal ponto de se dizer abandonada pelo próprio Bolsonaro. “Não me arrependo de ter apoiado ele”, diz. “Eu me arrependo de ter entrado de cabeça em alguns processos, como ter pedido impeachment dos ministros do STF.”
À medida que a condenação à prisão se tornava uma realidade, Zambelli viu acenos de alguns integrantes do PL, que pedem à Câmara a suspensão da ação penal contra ela.
A parlamentar diz, de todo modo, que Bolsonaro nunca mais a procurou. Afirma ter o apoio da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro. “Se ela for candidata à Presidência, sim, apoiaria, com certeza.”
Antigos aliados de Zambelli em Brasília foram procurados pela reportagem, mas nenhum deles aceitou conceder entrevistas. A orientação era deixar o líder do partido na Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), comentar o caso. “Lealdade e fidelidade são as principais marcas de Zambelli. É uma condenação política”, afirma ele, que se diz amigo da deputada desde “quando ela se amarrou nas colunas da Câmara”.
Não se falava de política na casa onde Zambelli nasceu em Ribeirão Preto, no interior paulista. Filha de uma pedagoga e de um administrador, ela é a caçula da família. Seus irmãos são o deputado estadual Bruno Zambelli (PL) e a professora de direito constitucional do Mackenzie Paula Zambelli — que, segundo Carla, é de esquerda. A parlamentar afirma ter hoje boa relação com a irmã.
Na juventude, a deputada ingressou na faculdade de arquitetura, mas não concluiu o curso porque, segundo a versão dela, a maioria da classe era gay e queria que ela se tornasse bissexual. Estudou planejamento empresarial e trabalhou na KPMG, uma multinacional que atua como auditoria.
Há dez anos, descobriu um tumor no cérebro e, impossibilitada de trabalhar, resolveu aprofundar a sua militância com o Nas Ruas, movimento que fundara em 2011, famoso pela atuação nas Jornadas de Junho de 2013. Passou a liderar protestos pelo impeachment de Dilma. Nessa época, sua pauta era anticorrupção. Zambelli chegou a ser vista em um protesto no Femen Brazil, mas ela nega ter integrado o grupo.
Outro manifestante a descreve como ativista com capacidade de comunicação incomum. Lembra que Zambelli tomou a iniciativa de criar bonecos infláveis com os rostos de políticos, a fim de evidenciar as pautas dos protestos.
A deputada diz que se tornou se direita a partir do encontro com duas figuras: o jurista Ives Gandra Martins, que lhe indicou livros, e o pastor Marcos Feliciano, hoje deputado pelo PL, que a apresentou à pauta de costumes.
A eleição de Zambelli em 2018, com 76 mil votos, foi reflexo do Nas Ruas. Já a reeleição, quando foi a terceira mais votada no país, com mais de 946 mil votos, deveu-se a uma estratégia digital arrojada.
Um assessor afirma que a relação entre ela e Bolsonaro sempre foi assimétrica: o ex-mandatário nunca a tratou com a mesma consideração.
Diz ainda que Zambelli não ouvia ninguém e que chegou a receber recado da alta cúpula do Judiciário para abaixar o tom das críticas. Relata também desequilíbrio emocional da parlamentar e um jeito histriônico de fazer política. Em Brasília, ela aprovou seis projetos de lei de sua autoria, entre eles o dia de combate à fenilcetonúria, doença metabólica rara.
Nesses dois mandatos, fez alguns inimigos. Não à toa, ela conta guardar um caderno intitulado “ICC – Ingratos Com Certeza”, que tem 30 nomes. A deputada teve um mal-estar com o senador Sergio Moro (União Brasil), padrinho de seu casamento com o coronel Aginaldo de Oliveira — Zambelli tem um filho de 17 anos, fruto de um primeiro relacionamento.
Moro, então ministro da Justiça de Bolsonaro, divulgou uma troca de mensagens entre os dois para mostrar não ter condicionado uma mudança no comando da Polícia Federal a uma indicação ao Supremo.
Já a ex-deputada federal Joice Hasselmann comemora a condenação de Zambelli. “O STF está fazendo a justiça, o que a Câmara devia ter feito e não fez”, afirma. As duas foram amigas, mas brigaram logo que Joice rompeu com Bolsonaro.
Zambelli afirma que não se arrepende de ter entrado na política. “Entraria de novo, porque acho que fiz diferença”, afirma. “Sempre tive o sonho de ser senadora, mas, diante de tudo isso, aí já é um sonho que provavelmente não vou realizar.”
BN