Publicado em 26/07/2025
REAÇÃO - Parlamentares da direita na Câmara: tentativa de encerrar recesso foi frustrada pelo presidente Hugo Motta (Alan Santos/Câmara dos Deputados)
O apelo à radicalização, no entanto, não está em sintonia com o espírito pragmático de partidos do Centrão.
Conhecido pela capacidade de mobilização nas ruas e nas redes sociais, o
bolsonarismo já andava agitado desde o dia 9 de julho, quando o presidente
americano Donald Trump impôs tarifa de 50% à importação de produtos
brasileiros a pretexto de fazer o país, entre outras coisas, “deixar Bolsonaro em
paz”. Inicialmente na defensiva, em razão da repercussão negativa da medida, os
apoiadores mais entusiasmados do ex-presidente entraram em alvoroço na
sexta-feira 18, quando a Polícia Federal bateu à porta dele para fazer busca e
apreensão e, principalmente, levá-lo para colocar uma tornozeleira eletrônica
imposta pelo ministro Alexandre de Moraes em razão da possibilidade de fuga
em meio à reta final do julgamento da trama golpista, em que é o principal réu.
A medida desencadeou uma espiral de tensão, que chegou ao ápice na segunda
21, após Bolsonaro protagonizar um estardalhaço na Câmara, onde se disse
“humilhado” e vítima de “covardia” e anunciou que “vamos enfrentar a tudo e a
todos”. O episódio colocou o ex-capitão ainda mais sob pressão, com o risco de
ter a prisão preventiva decretada (medida descartada e convertida em
advertência na quinta 24) — e gerou uma escalada na mobilização do núcleo
duro de seus apoiadores, no Parlamento e na internet, baseada na vitimização do
seu líder e na radicalização do discurso.
NO ATAQUE - Eduardo: críticas a quem tenta negociar com os americanos (Lev Radin/Pacific Press/ZUMA Press/Imageplus)
Mesmo impedido por Moraes de usar redes sociais e se ausentar de casa das
19h às 6h e aos fins de semana, Bolsonaro é quem dá o tom da pregação. Na
Câmara, exibiu a tornozeleira em tom de indignação, disse que era um homem
inocente e criticou o Supremo Tribunal Federal. “O que vale para mim é a lei
de Deus”, disse em meio a um tumulto, que deixou uma mesa de vidro
quebrada e o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) ferido. O rebuliço provocou
nova decisão de Moraes, que deu 24 horas para que ele explicasse — “sob pena
de decretação imediata da prisão” — o que havia ocorrido, principalmente o
fato de ter dado entrevista, replicada largamente por apoiadores nas redes. Na
resposta, seus advogados disseram que ele nem cogitava que não poderia dar
entrevistas, pediram explicações sobre o que era afinal permitido e
prometeram que “Bolsonaro não fará qualquer manifestação até que haja o
esclarecimento”. Nos dias seguintes, o ex-presidente voltou a se reunir com
aliados, na sede do PL em Brasília, mas passou calado diante dos repórteres,
dizendo que estava proibido de falar com a imprensa.
Um dos seus interlocutores nas reuniões era justamente o principal porta-voz
e organizador da ofensiva bolsonarista em curso. O líder do PL na Câmara,
Sóstenes Cavalcante (RJ), aliado do pastor Silas Malafaia, foi o responsável
pela barafunda no Congresso ao convocar deputados e senadores para encerrar
na marra o recesso legislativo. Com dezenas de parlamentares, tentou reabrir
comissões que seu partido preside e discutir moções de apoio a Bolsonaro e de
repúdio às ações contra ele. A tentativa foi abortada pelo presidente da
Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que, de férias, baixou um ato
proibindo o funcionamento dos colegiados. A confusão fez Bolsonaro desistir
de ir às reuniões das comissões, que estavam em sua agenda. Dessa agitação,
no entanto, surgiram comissões informais, lideradas por deputados do PL, que
tocarão três frentes: mobilização interna da Câmara; determinação e execução
de estratégias de comunicação; e mobilização nacional de apoiadores.
TRUMPISMO VERDE E AMARELO - Apoiadora de Bolsonaro em Brasília: atos tiveram baixa adesão (Andre Borges/EFE)
A primeira trilha a ser explorada é a de tentar mostrar que Bolsonaro é vítima
de injustiça. Foi o mesmo argumento que Donald Trump usou em seus
comunicados, quando chamou o ex-presidente de “homem bom e honesto” e
vítima de “terrível tratamento de um sistema injusto”. “Tudo isso foi positivo
para poder escancarar a perseguição com ele. Ele não tem nenhuma
condenação, mas é tratado como um criminoso”, diz Nikolas Ferreira.
“Alexandre de Moraes está colocando Bolsonaro em um lugar em que todo
político deseja: o de vítima”, ecoa Silas Malafaia. “Bolsonaro é um homem
inocente, um homem honesto e apaixonado pelo Brasil. O que estão fazendo
com ele é injustiça! É absurdo!”, postou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ)
quando a tensão sobre o seu pai estava no auge.
PRIORIDADES - Damares Alves: senadora defende impeachment de Moraes e limites à atuação do STF (Carlos Moura/Agência Senado)
Para que a estratégia de vitimização funcione, é preciso que haja algozes — os
alvos óbvios são Moraes e o STF. Uma das principais medidas será elevar a
pressão política pelo impeachment do ministro. O esforço para tirar Moraes do
cargo não é pequeno: no Senado tramitam nada menos que 29 pedidos para
cassar o magistrado, o último deles apresentado na quarta 23 por Flávio
Bolsonaro. “Vamos trabalhar no convencimento dos nossos colegas senadores,
especialmente entre os de centro-direita, sobre a necessidade de colocarmos
frente ao ativismo judicial”, diz a senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
Apesar das quase três dezenas de tentativas, a chance de uma medida extrema
como essa prosperar é quase nula. Esse tipo de procedimento nunca saiu das
primeiras etapas na história da democracia brasileira. O processo é um dos
mais complexos da legislação brasileira e demanda um comprometimento
político elevado, com o apoio de dois terços dos senadores (54 de 81).
O plano de guerra contra Moraes, no entanto, não envolve “apenas” a ofensiva
por seu impeachment. Uma das ideias é aprovar projetos de lei que limitem a
atuação do STF, como a proposta que impede que os magistrados tomem
decisões individuais, a que prevê a possibilidade de o Legislativo suspender
decisões do Supremo e a que aumenta o rol de crimes de responsabilidade
pelos quais os magistrados podem ser processados. Outra possibilidade que
será explorada pelo bolsonarismo é a PEC que retira ex-presidentes da
República da lista de cargos que têm foro privilegiado — a iniciativa tiraria
Bolsonaro do jugo do Supremo e faria os casos recomeçarem na primeira
instância, onde teria direito a pelo menos dois degraus de recursos até a
condenação definitiva. Outra obsessão é o pacote da anistia aos envolvidos no
8 de Janeiro, que poderia até beneficiar Bolsonaro.
NA CÂMARA - Faixa pró-presidente dos Estados Unidos: peça foi logo retirada (Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Se a ala mais radical do PL lidera o barulho por aqui, nos Estados Unidos é
Eduardo Bolsonaro o porta-voz da artilharia contra a Suprema Corte brasileira.
Desde o início da crise, o deputado pelo PL-SP tem insistido na tecla de que
não há saída para o impasse que não seja a punição a Moraes e a anulação dos
processos contra o seu pai. Apesar de dizer que não articulou o tarifaço de
Trump (até pela repercussão negativa da ação), ele insiste que é o único com
acesso privilegiado ao establishment trumpista e à Casa Branca e reforça que
só atuaria pela revogação da tarifa de 50% se o cerco a seu pai e seus
apoiadores nos tribunais e nas redes sociais fosse suspenso. A conduta,
desarrazoada, rendeu a ele a abertura de um inquérito por Moraes, para
investigar crimes como coação no curso do processo e obstrução de
investigação de organização criminosa. Foi nessa apuração que seu pai foi
punido com medidas cautelares. Entre outras coisas, Bolsonaro é suspeito de
financiar a atividade de Eduardo no exterior, uma vez que admitiu em
entrevista ter repassado ao filho 2 milhões de reais, recebidos de apoiadores.
Moraes bloqueou as contas bancárias, o Pix e bens do deputado. No sábado 19,
o ministro disse, em despacho no inquérito, que Eduardo vem radicalizando a
pregação após a busca e apreensão e a imposição de sanções a seu pai. “O
investigado Eduardo Nantes Bolsonaro intensificou as condutas ilícitas objeto
desta investigação, por meio de diversas postagens e ataques ao Supremo
Tribunal Federal nas redes sociais”, escreveu o ministro. “Eu estou disposto a
ir às últimas consequências. Pode prender o meu pai, eu não vou mudar a
minha conduta”, rebateu Eduardo.
Enquanto os radicais se agitam, a equipe jurídica de Bolsonaro faz o que pode
para evitar o pior. Um bom exemplo foi a resposta rápida, antes do término do
prazo de 24 horas, ao questionamento de Moraes sobre o ato de Bolsonaro na
Câmara. Os advogados decidiram explorar as lacunas de uma confusa decisão
do ministro para evitar uma ordem de prisão que pareceu iminente. Ao mesmo
tempo, a equipe de defesa tem que se preocupar com a reta final do processo
de tentativa de golpe, no qual Bolsonaro pode ser condenado à prisão. A
expectativa é que o caso seja julgado até setembro.
PREOCUPAÇÃO - Ciro Nogueira, cacique do PP: Centrão opta pela discrição (Saulo Cruz/Agência Senado)
Um pequeno alento para a defesa veio do ministro Luiz Fux, que divergiu de
Moraes ao analisar a imposição das medidas cautelares. Ele foi o único dos
cinco ministros da 1ª Turma a votar contra. O ministro argumentou que nem
a Polícia Federal nem a Procuradoria-Geral da República trouxeram provas
concretas de que Bolsonaro planejava deixar o país e que, por isso, a
tornozeleira eletrônica foi uma medida “desproporcional”. Fux disse ainda que
“a amplitude das medidas impostas restringe desproporcionalmente direitos
fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e
comunicação”. Como a Turma já havia formado maioria para endossar a
deliberação de Moraes, o voto não tem efeito prático, mas demarca um
posicionamento em sentido contrário ao que a Corte vem adotando,
mostrando o que podem ser as primeiras rachaduras no colegiado que julgará
Bolsonaro.
Quem observa tudo com muita atenção e alguma apreensão é o Centrão. O
apelo à radicalização não está em sintonia com o espírito pragmático de
partidos como União Brasil, PP, Republicanos e até mesmo PSD e MDB, que
poderiam ajudar a construir uma candidatura de oposição a Lula em 2026. O
senador Ciro Nogueira, presidente do PP, por exemplo, lamentou a decisão de
impor tornozeleira ao ex-presidente no dia da decisão, mas depois calou-se.
Outros caciques, como Marcos Pereira (Republicanos) e Gilberto Kassab
(PSD), nada falaram. Esse grupo gostaria que o ex-presidente apontasse o
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), como sucessor,
mas isso não deve ocorrer tão logo. Bolsonaro prefere esticar a corda e deixar
aberta a porta para apoiar alguém com o seu sobrenome, como Eduardo. O
filho Zero Três cresceu entre os radicais, mas tornou-se um aliado pesado para
ser carregado na avaliação de muitos líderes do Centrão. Nome com maior
potencial entre a oposição, Tarcísio também se complicou em um primeiro
momento, quando pareceu que optaria pelo alinhamento cego ao ex-presidente, mas deu alguns passos para trás e decidiu centrar fogo na resolução
dos problemas dos setores afetados pelo tarifaço em São Paulo. “Tarcísio tem
se mantido com um pé em cada canoa. Em uma está o bolsonarismo, o
extremismo, na outra está a moderação, o centro democrático, com as
instituições e o STF”, diz o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade
Mackenzie.
DIVERGENTE - Luiz Fux: voto de ministro anima a defesa de Bolsonaro na Corte (Felipe Sampaio/STF)
Com a indefinição à direita, cresce a possibilidade de divisão nesse campo —
dois governadores, Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Romeu Zema
(Novo), de Minas Gerais, já se colocam como candidatos a presidente, embora
ambos ainda possam compor uma eventual frente de oposição a Lula. “O mais
importante é que Bolsonaro, à medida que a sua provável condenação se
aproxima, perde o controle que sempre imaginou ter dos rumos do processo
sucessório do ano que vem”, diz o cientista político Eduardo Grin, da FGV-SP.
A aposta no confronto neste momento delicado tem o fator positivo, para
Bolsonaro, de mobilizar a sua base e aumentar a tensão política, um ambiente
no qual o ex-presidente gosta de navegar. Tanto que vem estimulando, por
meio de parlamentares e de Malafaia, a organização de protestos no dia 3 de
agosto, sob o lema “Reaja, Brasil, para o Brasil não quebrar”. Como é um
domingo, a limitação imposta por Moraes vai impedir que ele esteja presente,
mas o volume da adesão vai mostrar qual o seu tamanho político na atual
circunstância. Há poucos dias, manifestações pelo país, como em Brasília,
tiveram baixa presença de apoiadores. Diferentemente de outros momentos,
em que o bolsonarismo quis concentrar os atos em São Paulo, Rio ou Brasília,
agora o chamado é abrangente. Desta vez, os atos ocorrerão em todas as
cidades que quiserem aderir”, diz o deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), um
dos articuladores. Cada vez mais acuado, o ex-presidente decidiu lançar-se ao
ataque, em uma cavalgada desesperada em busca de uma improvável salvação.
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