Atualizada em 27/04/2025 07:41
Fraude no INSS: descontos irregulares na folha de pagamento de aposentados e pensionistas podem ter causado rombo de bilhões de reais
Imagem: Agência Brasil
A investigação da Polícia Federal e da CGU (Controladoria Geral da União)
sobre um golpe de até R$ 6,3 bilhões em aposentados e
pensionistas enquadrou 11 entidades de classe, mas 31 são suspeitas de
cobrarem “mensalidade associativa” sem autorização.
O que aconteceu
A mensalidade associativa é descontada do pagamento mensal do INSS a
aposentados e pensionistas. Associações de aposentados e sindicatos
assinaram Acordos de Cooperação Técnica com o INSS permitindo o desconto
nos proventos dos beneficiários que, em troca de auxílio jurídico e assistência
médica, por exemplo, autorizam o débito no aplicativo Meu INSS por meio de
assinatura eletrônica e biometria.
Desconfiada de fraudes em 1.374 descontos entre 2016 e maio de 2024, a
CGU procurou os beneficiários. Entre abril e julho do ano passado, o órgão
entrevistou presencialmente 1.273 aposentados ou pensionistas para perguntar
se eles haviam autorizado a cobrança. “Apenas 52 informaram estar filiados a
uma entidade, e 31 autorizaram o desconto, indicando a possibilidade de 98%
dos descontos serem indevidos”, escreve a CGU no relatório que resultou
dessas entrevistas e que municiou a Polícia Federal.
Das 33 entidades que efetuaram algum desconto, 31 são suspeitas de
cobrarem mensalidade irregular. Para 21 entidades, 100% dos entrevistados
disseram não ter autorizado o desconto. Para sete entidades, esse percentual
variou de 71% a 99%, e, para as três restantes, essa proporção variou de 17%
a 33%. A CGU realizou auditoria em 29 das 31 entidades. Questionada,
informou que a auditoria antecedeu as entrevistas em campo.
A entidade com mais descontos sem autorização foi a CAAP, diz a CGU. A
Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS, que promete
auxílio psicológico, apoio jurídico e desconto em clinicas de saúde, realizou 214
descontos irregulares dos 215 efetuados, segundo o relatório. O UOL procurou
a entidade, mas a CAAP não oferece telefone ou e-mail para a imprensa e os
telefones para contato de associados são inválidos. O campo no site para envio
de mensagem acusou “erro no servidor”.
Arquivo – Trabalhadores rurais da Contag protestam em Brasília. Entidade é uma das investigadas pela Polícia Federal
Imagem: Marcello Casal Jr/ABr
Todos os 72 descontos efetuados pela Unabrasil, antiga Unsbras, foram
irregulares, diz a CGU. Em nota, a União Nacional dos Aposentados e
Pensionistas do Brasil afirma que “a associação não praticou a atividade
ostensiva de captação, prospecção e afiliação de seus associados, sendo tais
atividades praticadas por empresas privadas diversas. Se qualquer fraude
ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados”, diz em nota.
“Havendo reclamação, a Unabrasil determina o imediato ressarcimento em
dobro do valor indevidamente descontado. Desde abril de 2024 [a entidade]
vedou qualquer nova afiliação até que seu compliance esteja em conformidade”,
continua a entidade, que critica a operação da PF, “já que os MESMOS FATOS
são há mais de um ano investigados e esclarecidos” pela Polícia Civil de São
Paulo.
Entre descontos regulares e indevidos, 19 entidades receberam mais de
R$ 15 milhões entre 2016 e maio de 2024. Quem mais recebeu dinheiro foi a
Contag, diz o relatório: R$ 2,9 bilhões entre 2016 e 2023. Em nota, a
Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras
Familiares diz ter “compromisso com a legalidade em todas as suas ações, e
se coloca à disposição para colaborar com as investigações”. “Ao longo dos
seus 61 anos, a Contag sempre atuou com ética, responsabilidade e tem se
empenhado ativamente no aperfeiçoamento da gestão e na fiscalização dos
projetos e convênios que administra, sempre em conformidade com as normas
legais.”
A Contag é uma das 11 entidades que entraram na mira da Polícia
Federal. Elas foram alvo de ação judicial na quarta-feira (23), que cumpriu 211
mandados de busca e apreensão em 34 municípios, prendeu cinco pessoas e
resultou no afastamento do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e
de outros cinco servidores.
As 11 entidades foram escolhidas em razão de suspeitas mais
robustas. Segundo os investigadores, algumas delas sequer tinham
infraestrutura real para prestar os serviços prometidos, como descontos em
academias, assistência jurídica e planos de saúde. Em diversos casos, houve
falsificação de assinaturas para autorizar os descontos nas folhas de
pagamento. Algumas delas não entregaram nem a documentação exigida.
Veja a 11 entidades
1. Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios
Coletivos)
2. Sindnapi/FS (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos)
3. AAPB (Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil)
4. AAPEN (Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional), ex-ABSP
5. Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)
6. AAPPS Universo
7. Unaspub (União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos)
8. Conafer (Confederação Nacional de Agricultores Familiares e
Empreendedores Familiares Rurais)
9. APDAP Prev (Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos
Apesentados e Pensionistas), ex-Acolher
10. ABCB/Amar Brasil (Associação Beneficente e Cultural Backman Nacional)
11. Caap (Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS)
O que dizem as 31 entidades
1. Caap. Investigada pela PF, é suspeita de efetuar 214 descontos não
autorizados. Procurada, não respondeu.
2. AAPEN. Suspeita de 210 descontos indevidos é uma das investigadas.
Procurada, não respondeu.
3. Master Prev Clube de Benefícios. Suspeita de efetuar 97 descontos não
autorizados, informou em nota que é regularmente constituída, cumpre a lei
e presta “serviços lícitos e relevantes”. “O procedimento de filiação
observa rigorosamente todas as normas, contando com rígidos critérios de
segurança e transparência, como a utilização de biometria”, diz ela, que se
compromete a prestar esclarecimentos em eventual investigação.
4. Cebap (Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e
Pensionistas). Suspeita de 95 descontos irregulares. Procurada, não
respondeu.
5. Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios
Coletivos). Suspeita de 87 descontos indevidos e uma das 11
investigadas, não respondeu o UOL.
6. AAPB (Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil). Teria
efetuado 82 descontos sem autorização. Uma das 11 investigadas, não se
manifestou.
7. Unabrasil (União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil). Foram
72 descontos irregulares, segundo a CGU. Procurada, a entidade lembrou
que “possui sede conhecida, presidente, secretário, e um coletivo de
funcionários próprios e operacionais, assim como um robusto programa de
compliance”, escreve em nota. “A própria auditoria realizada pelo INSS
confirmou não apenas a existência da associação, como também a efetiva
utilização pelos associados dos benefícios e produtos disponibilizados.”
8. ABCB. Uma das investigas, é suspeita de efetuar 62 descontos indevidos.
A defesa da ABCB diz que foi “surpreendida com o cumprimento de
mandados de busca e apreensão, sem que tenha tido, até o momento”
acesso à investigação. Diz, no entanto, que é regularmente constituída,
“beneficiando seus associados com inúmeros serviços, os quais se filiam
de forma transparente, em procedimento que conta com rígidos critérios,
inclusive de biometria”.
9. Conafer. Uma das 11 investigadas, não respondeu ao UOL sobre os
supostos 56 descontos indevidos.
10. AAPPS Universo. Outra associação investigada pela PF, ela não
respondeu ao UOL sobre os 52 descontos supostamente irregulares.
11. APDAP Prev. Outra investigada. Com 39 descontos supostamente
irregulares, a entidade não se manifestou.
12. CBPA (Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e
Aquicultura). Suspeita de 32 descontos indevidos, a CBPA disse que seus
mais de 1 milhão de pescadores filiados são “pessoas humildes, de hábitos
simples, que num primeiro momento reconhecem a filiação a entidade mais
próxima, geralmente a sua colônia de pesca”. “A despeito disso, a CBPA
cumpre regularmente o papel de oferecer a seus associados que fazem a
contribuição confederativa a planos de benefícios (…) e reitera seu total
apoio às instituições de controle brasileiras, que buscam proteger os
aposentados de práticas fraudulentas”, diz em nota.
13. Abapen (Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas da
Nação). Suspeita de 27 descontos sem autorização, não respondeu à
reportagem.
14. Unaspub. Outra investigada, a associação não se manifestou quando
questionada sobre os 23 débitos supostamente indevidos.
15. AAB (Associação dos Aposentados do Brasil). A associação não se
manifestou sobre a suspeita de 22 descontos irregulares.
16. Sindnapi/FS. Entidade investigada, ela teria realizado 20 descontos
irregulares. Procurada, os telefones não atendem e o e-mail informado não
funciona.
17. Asbrapi/Prevabrap (Associação Brasileira dos Aposentados,
Pensionistas e Idosos). Não respondeu sobre as 18 suspeitas de
desconto indevido.
18. Cobap (Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e
Idosos). Teria efetuado 17 descontos sem autorização. Não respondeu
ao UOL.
19. Sindiapi/UGT (Sindicato dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da
União Geral dos Trabalhadores – UGT). Não se manifestou ao ser
questionado sobre os 16 descontos supostamente irregulares.
20. Unibap (União Brasileira de Aposentados da Previdência). A entidade
não se respondeu ao ser questionada sobre os 15 descontos efetuados
sem autorização, segundo a CGU.
21. AP Brasil (Associação no Brasil de Aposentados e Pensionistas da
Previdência Social). Procurada, não se pronunciou sobre a suspeita de 11
descontos sem aval do aposentado ou pensionista.
22. Abenprev (Associação de Benefícios e Previdência). A entidade não se
manifestou sobre a suspeita de efetuar 10 descontos irregulares.
23. Cinaap (Circulo Nacional de Assistência dos Aposentados e
Pensionistas). Não respondeu o UOL sobre os 10 casos suspeitos.
24. Abrasprev (Associação Brasileira dos Contribuintes do Regime Geral
da previdência Social). Suspeita de oito irregularidades, não respondeu
após contato do UOL.
25. Asabasp (Associação de Suporte Assistencial e Beneficente para
Aposentados, Servidores e Pensionistas do Brasil). Segundo a CGU,
realizou ao menos cinco descontos indevidos. Procurada, afirmou em nota
que “todas as suas práticas estão em plena conformidade com os ACT
(Acordos de Cooperação Técnica) vigentes”. “A Associação opera com
total transparência e estrita observância dos termos estabelecidos nesses
acordos, garantindo a regularidade de todos os seus procedimentos”,
afirma.
26. Contag. Investigada, a confederação nega as irregularidades sobre os
cinco descontos supostamente indevidos. Lembra em nota que é formada
por 27 Federações estaduais “e mais de 3.800 Sindicatos de
Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais”.
27. Riaam Brasil (Rede Ibero-Americana de Associações de Idosos). A
entidade não comentou os quatro supostos descontos efetuados
irregularmente.
28. Sinab (Sindicato dos Aposentados do Brasil). O sindicato lembrou em
nota que não é uma das empresas investigadas e que “apoia as
investigações e espera que os culpados sejam identificados e punidos”.
Disse ainda que foi uma das entidades a alertar o INSS sobre “associações de fachada”. Sobre os quatro descontos apontados pela
CGU, disse que Já foram auditados por amostragem e que “foi usada uma
amostra não significativa de apenas quatro pessoas”.
29. Abrapps (Associação Brasileira de Aposentados e Pensionistas da
Previdência Social). Procurada, a associação não se manifestou sobre o
único caso suspeito relatado pela Controladoria.
30. FITF/CNTT/CUT (Federação Interestadual dos Trabalhadores
Ferroviários da CUT). Também suspeita de uma irregularidade, a
federação não se manifestou.
31. Sintapi/CUT (Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados,
Pensionistas e Idosos). O site do sindicato não possui canal de
comunicação nem com o associado nem com a imprensa. Ela é suspeita
de efetuar um desconto indevido.
A investigação
A CGU iniciou a apuração em 2023, e acionou a PF em 2024 ao encontrar
indícios de crime. Em resposta, o governo federal determinou a suspensão de
todos os acordos com as entidades envolvidas e orientou que os beneficiários
lesados a recorrem ao portal ou aplicativo Meu INSS para pedir a exclusão do
desconto.
Os desvios podem chegar a R$ 6,3 bilhões, segundo os investigadores. Em muitos dos casos, as associações falsificavam a assinatura de seus associados. Como descobrir se perdi dinheiro? Para saber se teve algum valor descontado, o aposentado ou pensionista precisa verificar o extrato do INSS. Esta reportagem explica o passo a passo.
*Com informação do UOL