Publicado em 23/07/2025
“Amigo, sou o pastor Arnaldo Barros”, o líder da acreana Igreja Geração Eleita se apresenta antes de anunciar uma missão para a câmera do celular. “Vamos desligar um jovem de uma certa facção, que ele tá baleado.”
Barros está no carro com dois homens que dizem ser ex-membros do PCC (Primeiro Comando da Capital), um rapaz que atendia pelo vulgo CFK, e outro do CV (Comando Vermelho), o Tubarãozinho. Ambos contam ter deixado essa vida bandida após aceitar Jesus Cristo no coração.
Chegam a uma casa. Agora é a vez de resgatar um homem que “tá de pulseira”, diz Barros, em referência à tornozeleira eletrônica, que ganha destaque na gravação. Ele participava do B13, o Bonde dos 13, uma facção local. Mostra cicatrizes de múltiplos tiros que levou —na coxa, no peito, no braço. Ficou “deficiente da perna”, segundo o pastor.
O convertido diz que vai cuidar da saúde e do filho. Endereça um recado aos antigos companheiros do crime: “Agradecendo a compreensão de todos vocês que entendem meu lado”.
“Agora ele vai estar congregando na igreja”, emenda Barros. E assim conclui o que, nas suas contas, já somam mais de 5.000 “desligamentos” que conduziu. É como ele define homens e mulheres que, sob sua batuta pastoral, abandonaram facções pela via da conversão evangélica.
Arnaldo Barros, 56, lidera o projeto Paz no Acre, que envolve usar a igreja para justificar, perante os chefões do tráfico, o afastamento dessa rotina infratora. “Quando chego para o cara e tiro ele do crime, ele me passa o número dos superiores dele, e eu mando o vídeo.”
Muitas organizações criminosas têm estatutos próprios que permitem a defecção de integrantes que passam a levar uma vida religiosa. Em geral evangélica.
O B13, por exemplo, prevê que “a saída é a igreja”, afirma o pastor. Ou o caixão. Ou seja, ou você morre, ou se converte.
Ele conversa com a Folha por telefone, enquanto faz musculação na academia. “Um, dois, três…”, conta o número da série de exercícios para, na sequência, discorrer sobre os milhares de desligamentos que diz ter promovido em seu estado. O Acre tem intensa atividade criminal por conta da fronteira com países vizinhos, ponto de escoamento para drogas.
Alguns dos vídeos captados por Barros vão parar nas redes sociais. Ex-vereador em Rio Branco pelo Podemos, com mandato de 2021 a 2024 e sem conseguir se reeleger, Barros tem cerca de 4.400 seguidores no Instagram, seu principal perfil digital.
Ele diz que a publicação dos depoimentos de ex-criminosos gera um impacto nem sempre positivo. Mas sempre pede permissão para divulgar as gravações. Tem quem não tope, e tudo bem, afirma. Dos que aceitam, “alguns perderam empregos, outros a família nem sabia que o cara era do crime, foi um choque.”
Ele envia a filmagem que fez com um homem que largou o B13. “Passou dez anos no presídio. Tentaram arrancar a cabeça dele, ele tem uma perfuração grande no pescoço. Falsificava dinheiro, era traficante. Fez muita coisa errada. Já falei com ele, ele está só aguardando a sua ligação. Vou mandar o número dele, tá?”
Antonio, 36, inicia seu contato com a reportagem pregando a “paz do Senhor Jesus a todos”. Então resume sua história de conversão. “Em 2020, conheci a palavra de Deus e resolvi me render aos pés d’Ele para largar toda a minha vida errada de prostituição, de engano. Tudo aquilo que eu fazia errado deixei para trás.”
[Folha Uol]