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segunda-feira, 25 de agosto de 2025
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O preço do atraso: tarifaço de Trump expõe fragilidade do protecionismo do Brasil

Publicado em 24/08/2025

INCERTEZA - Haddad e Alckmin: novas parcerias na pauta, mas o histórico de isolamento preocupa (Ton Molina/Fotoarena/.)

Caso reabre a discussão sobre a necessidade de o país se integrar, de fato, ao comércio global

A guerra comercial deflagrada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald
Trump, impôs ao Brasil um rastro de prejuízos e uma lição urgente, além de
expor uma velha contradição. Desde 6 de agosto, metade de tudo que o país
exporta para o mercado americano está pagando a nova tarifa de 50%. Até o
ano passado, essa alíquota era, em média, menor do que 3%. Os prejuízos
estão nos milhares de empresas nacionais que começam a perder vendas
conforme os clientes americanos suspendem as encomendas com preços
remarcados. É fato que a motivação para o tarifaço foi política, com o absurdo
objetivo de interferir na Justiça daqui no caso do julgamento de
Jair Bolsonaro (leia a matéria na pág. 28). Mas é fato também que o Brasil
nunca fez devidamente sua lição de casa no campo do comércio exterior. O
país está entre as nações mais fechadas do planeta — somos um caso clássico
do protecionismo que agora criticamos. “O Brasil continuou inibindo as
importações enquanto os outros ampliavam a integração internacional”, diz
Lucas Ferraz, coordenador do Centro de Negócios Globais da Fundação
Getulio Vargas e ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério da
Economia. “Era o made in Brazil querendo competir com o mundo inteiro, e
isso nos fez perder relevância.”

O apelo à proteção da produção nacional é compreensível e, em maior ou
menor grau, praticado por todas as nações. O problema surge quando essas
barreiras são usadas em excesso e por tempo prolongado. Nesse caso, o efeito
é o oposto do desejado. Para os consumidores, o resultado são artigos caros e
de qualidade inferior. No setor produtivo, consolidaram-se empresas pouco
expostas a novas tecnologias e sem incentivos à eficiência, o que encarece os
preços e reduz a competitividade no mercado externo. Somados aos altos
custos internos — impostos elevados, infraestrutura precária e insegurança
jurídica —, esses fatores formam a receita de uma economia cara, improdutiva
e dependente de proteção. “Empresas ineficientes sobrevivem e geram valor
não por serem competitivas ou criativas, mas por estarem protegidas da
concorrência externa e contar com subsídios”, afirma Marcos Lisboa, exsecretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda no primeiro
governo Lula. “Elas se beneficiam, mas o país como um todo perde.”

O Brasil, que desde os anos 1950 apostou no modelo de substituição de
importações, tornou-se um exemplo eloquente de como essa estratégia
fracassou no longo prazo. A produtividade, indicador que mostra quanto cada
trabalhador é capaz de gerar em bens e serviços, está praticamente estagnada
desde 1980, e a renda avança em ritmo lento. De 1980 a 2024, o PIB per capita
do país caiu da 51ª para a 62ª posição no ranking mundial. Nesse mesmo
período, a participação da indústria no PIB encolheu de 30% para 10%. Apesar
de ser hoje a décima maior economia do planeta, o Brasil ocupa apenas o 25º
lugar entre os maiores exportadores e o 27º entre os que mais importam, com
uma fatia de 1,5% no comércio global — é uma proporção que não condiz com
o seu tamanho e que o faz destoar dos demais países. “A política protecionista
até ajudou a criar uma indústria diversificada no passado, mas ela não se
tornou competitiva”, diz Sandra Rios, diretora do Centro de Estudos de
Integração e Desenvolvimento. “Enquanto outros países aprofundaram a
abertura e se beneficiaram do boom de acordos de livre comércio, o Brasil
avançou muito pouco.”

SEM PARCEIROS - Porto de Santos: país só assinou o acordo do Mercosul (Nelson Almeida/AFP)

Foram justamente as economias que aceleraram sua integração internacional
que conquistaram a rara façanha de escapar da chamada “armadilha da renda
média”. É o caso de Coreia do Sul, Chile e Polônia, três dos apenas 34
emergentes, entre mais de uma centena, que conseguiram chegar ao grupo dos
mais ricos nas últimas décadas, segundo estudo do Banco Mundial. Os
indicadores que medem o grau de fechamento de uma economia são muitos —
e o Brasil se destaca negativamente em todos eles. A corrente de comércio do
país, que soma exportações e importações e expressa seu nível de integração às
cadeias globais, equivale a apenas 36% do PIB. É a nona menor proporção
entre 140 nações, numa lista encabeçada por Sudão, Etiópia e Haiti. Outro
retrato do isolamento está nas barreiras alfandegárias: a tarifa nominal média
cobrada sobre produtos importados é de 13,5%, a 15ª mais alta entre 190
países monitorados pela Organização Mundial do Comércio (OMC).

Em alguns produtos, sobretudo aqueles em que o país mantém um parque
fabril robusto, as tarifas ultrapassam os 20%, como é o caso de automóveis,
calçados e boa parte das especialidades da Zona Franca de Manaus, como
celulares, videogames e bicicletas. Além das tarifas, o Brasil figura entre os
campeões no uso de barreiras não tarifárias, como licenças e exigências
sanitárias adicionais para importados — são regras mais rígidas até do que as
da União Europeia. No campo da integração global, ocupamos as últimas
posições: desde a criação da OMC, em 1995, cerca de 400 acordos comerciais
foram firmados no mundo, mas o Brasil só assinou um de peso, o do
Mercosul. “Essa lentidão nos isolou de oportunidades estratégicas e nos
deixou à margem do dinamismo do comércio internacional”, afirma Ferraz, da
FGV.

DILEMA - Fábrica na Zona Franca: a justificativa é o desenvolvimento regional (Wang Tiancong /Xinhua/AFP)

Novos acordos comerciais serão inevitáveis para abrir rotas aos produtos que
perderão espaço nos Estados Unidos. “No atual contexto geopolítico, vão se
destacar os países que conseguirem se integrar mais rapidamente a novos
mercados, com cooperação tecnológica e sem risco de desindustrialização”, diz
Frederico Lamego, superintendente de relações internacionais da
Confederação Nacional da Indústria. O desafio, porém, é calibrar a dose de
abertura. “O grande dilema é encontrar o ponto de equilíbrio nas relações
comerciais”, afirma Luiz Frederico Aguiar, superintendente-adjunto da Zona
Franca de Manaus, lembrando que muitos polos industriais funcionam como
motores de desenvolvimento regional.

A promessa de novas parcerias comerciais entrou no pacote de medidas
anunciado pelo governo para aliviar o impacto do tarifaço nas empresas. “Se os
Estados Unidos não vão comprar, nós vamos procurar outros parceiros”,
prometeu o presidente Lula. Essa disposição surge em circunstâncias adversas
e com enorme atraso. O problema é histórico, fruto de erros de vários
governos. “Ter uma economia fechada é muito ruim para a produtividade, e já
pagamos um preço imenso por isso”, afirma Samuel Pessôa, pesquisador do
Instituto Brasileiro de Economia da FGV. O Brasil chegou a uma encruzilhada.
A guerra comercial escancarou a vulnerabilidade de um modelo que se apoia
mais na proteção do que na competitividade. O país pode insistir na rota
conhecida, sustentando empresas ineficientes, ou aproveitar o choque externo
como um gatilho para, enfim, se abrir ao mundo — e ganhar com isso.

*Com publicação da VEJA

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