Brasil deve aceitar as tarifas e não retaliar os Estados Unidos, afirma Christopher Garman Foto: TABA BENEDICTO / ESTADAO
Na avaliação de Christopher Garman, existe a possibilidade de uma melhora no cenário ao longo dos próximos meses e o melhor é o Brasil não retaliar os Estados Unidos
Na avaliação do diretor para as Américas da consultoria Eurasia, Christopher Garman, o Brasil não deve conseguir avançar nas negociações com os Estados Unidos no curto prazo e as tarifas de 50% impostas aos produtos brasileiros vão entrar em vigor. “Nós estamos num embate, e o problema é que o presidente Trump se enxerga no drama do ex-presidente Jair Bolsonaro.“
Garman diz que o melhor cenário para o Brasil é receber as tarifas e não retaliar. Ao longo do tempo, avalia, pode ser que as empresas e o governo brasileiro consigam algum espaço para aliviar o cenário.
“O impacto das tarifas globais tende a chegar ao bolso do consumidor através de mais inflação. Portanto, a Casa Branca pode ficar mais passível de aceitar tarifas menores”, afirma.
“Talvez, dentro de alguns meses, podemos ter um ambiente um pouco mais construtivo. O desafio é que existe um risco razoável de uma escalada nesse curto prazo”, acrescenta.
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Tem algum caminho para o Brasil sair desse impasse com os Estados Unidos?
Não estou enxergando um caminho no curto prazo para poder reduzir essas tarifas. Nós estamos num embate, e o problema é que o presidente Trump se enxerga no drama do ex-presidente Jair Bolsonaro. E se existe um país em que a política nacional se espelha na política americana, é o Brasil. Nós precisamos lembrar que o Trump se sentiu vítima de uma caça às bruxas de medidas judiciais. Ele se sentiu censurado. Ele enxerga o movimento progressista Democrata como uma ameaça à democracia. Então, quando ele vê o drama do entorno da família Bolsonaro e as queixas da direita brasileira, o Trump encontra respaldo. O movimento Maga se identifica exatamente com essas pautas. Então, tanto o julgamento do ex-presidente quanto a regulação das mídias sociais são os drivers de uma tarifa tão proibitiva.
E a proximidade do Brasil com a China?
É um fator mais secundário do que esses outros agora. Essa decisão (das tarifas) não passou pelo crivo do corpo técnico. É um tema quase pessoal para o presidente. E o problema é que, quando o Judiciário e o Supremo Tribunal Federal reagem à imposição de tarifas, com medidas cautelares contra o ex-presidente de restrição de movimento, proibição de falar com o filhos, com o congelamento das contas bancárias do Eduardo Bolsonaro, o governo Trump enxerga isso como uma escalada. Não distingue ações do Executivo com as do Judiciário. Enxerga como um regime.
Mesmo que hoje exista uma postura do Palácio do Planalto de não querer escalar – o governo está sofrendo muita pressão do privado para evitar uma escalada -, as medidas do Supremo, na prática, são vistas como uma escalada. Nesse contexto, no curto prazo, eu não enxergo um caminho para uma negociação e redução dessas tarifas.
E qual seria o melhor cenário, então?
Hoje, nós estamos em um cenário em que o melhor que se pode esperar é que as tarifas sejam implementadas, o governo Lula não reaja e não escale com medidas retaliatórias contra as prováveis sanções que devem chegar contra ministros do Supremo Tribunal Federal. E aí espera-se que possam excluir alguns itens dos 50% de tarifas por razões econômicas domésticas nos Estados Unidos. Os consumidores são sensíveis com alguns itens. E tem interesse dos Estados Unidos de, talvez, não taxar itens como petróleo e minerais críticos.
Há espaço para que haja uma exclusão de certos limites de aplicabilidade das tarifas. Isso pode ocorrer ao longo desses próximos meses, mas, para que ocorra, é necessário que o Brasil não venha a retaliar com novas medidas. Existe um caminho para ter um certo alívio parcial da implementação dessas tarifas. Eu diria que, ao longo do tempo, as condições tendem a ficar mais favoráveis.
Por quê?
Porque o impacto das tarifas globais tende a chegar no bolso do consumidor através de mais inflação. Portanto, a Casa Branca pode ficar mais passível de aceitar tarifas menores. Dois, o instrumento utilizado para a implementação das tarifas pode não se sustentar nos tribunais. Se esse instrumento cair, as tarifas vão ter de ser aplicadas via uma investigação da Seção 301, mas aí dá para se ter uma negociação mais econômica. Talvez, dentro de alguns meses, podemos ter um ambiente um pouco mais construtivo. O desafio é que existe um risco razoável de uma escalada nesse curto prazo.
Os Estados Unidos devem anunciar mais medidas contra o Brasil, então?
Para mim, está claro que a Casa Branca vai implementar novas medidas. A grande pergunta é se isso leva o Palácio do Planalto a tomar medidas retaliatórias ou não.
Tem algo que o setor privado possa fazer nesse processo?
São dois caminhos. Um é articular com os seus parceiros nos Estados Unidos que importam ou empresas que têm investimentos nos EUA. Dois, é anunciar e, talvez, colocar na mesa um pacote de novos investimentos nos Estados Unidos para que o presidente Trump possa sair dizendo que ele conseguiu negociar mais investimentos e emprego nos Estados Unidos.
Geralmente, a negociação com outros países é o compromisso de mais investimento nos Estados Unidos, abertura de novos mercados e compromisso de compras de produtos americanos. Essas são as três rubricas que a Casa Branca gosta de cantar de galo de ter obtido.
E isso poderia ocorrer sem a participação do governo, por exemplo?
Seria, talvez, o governo reunido com empresas brasileiras e empacotando promessas de investimentos, fazendo parte da mesma negociação. Junto com o governo brasileiro, seria mais eficaz, mas as empresas também podem fazer em paralelo ao governo.
Como vê a possibilidade de sanções mais duras, como a retirada do Brasil do sistema Swift?
Eu acho que isso não está na mesa. O Swift é um órgão com uma governança multilateral. Os seus stakeholders são de diversos países. Teria de haver um consenso de vários países. Eu não enxergo isso como uma opção. Eu diria que também é bem improvável a retirada do GPS do País. Mas, em tese, o governo americano poderia ter mecanismos, porque o GPS se baseia em satélites militares americanos, mas é muito difícil rescindir esses contratos, porque isso impactaria também interesses de empresas americanas que estão no Brasil. Eu acho que esses tipos de medidas mais dramáticas são muito improváveis.
O sr. comentou que o Trump se vê no Bolsonaro. Essa tensão entre os dois países deve permanecer nos próximos anos?
Eu acho que vai ser uma relação bilateral muito difícil. O que podemos ter é uma certa redução do peso das tarifas para um patamar praticável. Se a gente tem 50% de tarifas sobre todos os produtos brasileiros, no fundo, é quase um embargo de comércio. Na Eurasia, a gente acredita que é factível ter a exclusão de alguns itens em que a tarifa efetiva, a tarifa média, possa cair.
Mas acho que vai ser uma relação bilateral muito venenosa. É claro que, se a oposição vier prevalecer em 2026, muda por completo a relação bilateral. O desafio é que, se você ficar no próximo ano com tarifas mais proibitivas, isso já afeta a relação de exportadores com importadores americanos. Os exportadores vão buscar outros mercados, os compradores nos Estados Unidos vão buscar alternativas. Vai demorar um tempo para poder reparar o dano. Nesse período, o Brasil certamente vai reforçar seus laços com outros parceiros comerciais.
Com quais?
Eu acredito que o acordo entre Mercosul e União Europeia provavelmente vai sair. O Brasil deve reforçar laços com países do Sudeste da Ásia e com a China. O Brasil tende a diversificar a pauta exportadora para fora dos Estados Unidos nesse período.
O ganho político para o Lula que tem sido observado se mantém ou deve perder fôlego?
No curto prazo, sim. Ele está subindo nas pesquisas. A associação do movimento do Bolsonaro com imposição de tarifas que prejudicam empregos no Brasil está fazendo com que ele pague um custo político. Mas eu acredito que o que acaba contando mais são as condições econômicas. Se a gente olhar o impacto das tarifas de 50% e se ficar só nisso – sem novas medidas dos Estados Unidos contra o Brasil -, o impacto econômico tende a ser modesto. Reduz o PIB em 0,2 (ponto porcentual), 0,3 (ponto porcentual). O impacto no câmbio prejudica um pouco, porque não temos um câmbio tão valorizado que possa ajudar a reduzir custos, mas não é um estrago econômico capaz de alterar a sensação de bem-estar. Eu acho que o impacto acaba sendo mais neutro. Ajuda, talvez, a candidatura Lula nesses próximos meses.
Qualquer nome que represente a família Bolsonaro, se o Bolsonaro optar por alguém da família para poder representá-lo em 2026, vai ter um passivo eleitoral. Eu diria que uma candidatura da família Bolsonaro, talvez, fique um pouco mais fragilizada no ano que vem.
Isso abre espaço para um nome da direita?
Na margem, esse evento abre um espaço para uma outra candidatura da direita. Enfraquece um pouco o nome de um candidato da família Bolsonaro. É difícil apontar quanto, mas acho correto afirmar que tende a enfraquecer um pouco uma candidatura da família Bolsonaro no ano que vem.


