Soldados do Exército rendem suspeitos de guerrilha no Araguaia
Imagem: Guilherme Xavier Netro/Divulgação
O presidente Lula (PT) só reinstalou a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos após ordem da Justiça Federal que obrigou o governo a retomar as buscas por
restos mortais de militantes envolvidos na Guerrilha do Araguaia.
O que aconteceu
O governo federal está sujeito a uma multa diária pela demora em recriar o
órgão. A informação consta de documentos sigilosos inéditos obtidos pelo UOL.
Material expõe que, em meio a crise com os militares após o 8 de janeiro de 2023, o
governo demorou para adotar ações concretas para retomar as buscas pelos
desaparecidos e só agiu após uma determinação judicial.
A Justiça quer punir culpados. A Justiça Federal do Distrito Federal sinalizou que
deve mandar investigar as autoridades que não atuaram desde o governo de Jair
Bolsonaro (PL) para apresentar respostas sobre o paradeiro de mortos e desaparecidos
políticos. O juiz que cuida do caso indicou que deve analisar os pedidos do MPF e dar
uma decisão em breve.
Documentos apontam omissão do atual governo. Segundo a documentação no
processo, o Planalto só agiu para reinstalar o colegiado, extinto no governo Bolsonaro,
após vários pedidos do Ministério Público Federal e uma decisão da Justiça obrigando
o governo a agir. O Ministério dos Direitos Humanos nega que a recriação do colegiado
tenha relação com a decisão judicial.
“Assim, já sob o comando do novo governo eleito [de Lula], permanece o quadro de omissão da União quanto às providências que lhe cabem para o cumprimento da sentença buscada nestes autos.”
-Juiz federal Marcelo Gentil Monteiro, em decisão de maio de 2024 no processo
“Não se pode deixar de observar que todos os esforços estão sendo realizados no sentido de se tentar cumprir com a mais exatidão possível o comando sentencial, dada a extrema dificuldade fática em se obter o cumprimento total, mas se reafirma a busca incessante pelo máximo possível, muito embora não seja na velocidade razoável e merecida pelos autores da demanda.”
-AGU, em manifestação encaminhada em maio deste ano à Justiça Federal
Ação começou há 43 anos. Originalmente, 22 familiares de desaparecidos políticos do
Araguaia entraram com uma ação em 1982 contra a União para cobrar informações
sobre onde estão os restos mortais de seus parentes. As famílias ainda reivindicam o
direito de sepultar os corpos e obter a certidão de óbito.
Atualmente consta no processo que 32 familiares ainda aguardam resposta. Eles
entraram com pedidos similares no mesmo processo, que já soma mais de 185 volumes
e 45,6 mil páginas. Elas só foram digitalizadas em 2020. O UOL teve acesso a todo o
material, que está guardado, sob sigilo, na 1ª Vara Federal do DF.
O caso se arrasta. O governo federal foi condenado em 2003 a auxiliar os familiares a
encontrar os restos mortais, sob pena de multa diária. Foram organizadas várias
expedições à região onde ocorreram os confrontos entre as Forças Armadas e o
movimento armado, no sul do Pará.
Governo é obrigado a buscar respostas. A sentença já transitou em julgado, isto é,
não cabem mais recursos. Atualmente, a Justiça está na fase do chamado “cumprimento
de sentença”, ou seja, fiscalizando se as autoridades estão cumprindo o que foi
determinado.
As Forças Armadas nunca abriram os arquivos sobre o episódio. Com exceção de
dois corpos, até hoje não foram confirmadas as identidades dos restos mortais
encontrados. Sem as informações dos militares, a maioria das expedições teve pouco
sucesso, com o encontro de ossadas sem relação com o caso e até de crianças. O MPF
cobra a União para liberar os arquivos militares .
O UOL procurou o Ministério da Defesa e as três Forças Armadas. A pasta não
respondeu os questionamentos da reportagem. Já o Exército afirmou que “documentos
relativos ao tema tiveram seu ciclo de validade encerrado” e que colaborou com as
comissões instauradas para apurar os fatos ligados ao Araguaia. A Marinha e a FAB
também não responderam.
Governo encontrou duas ossadas. Elas foram identificadas como de Maria Lucia
Petit da Silva e Bergston Gurjão Farias. Ambos puderam ser sepultados. Os familiares
de Maria Lucia Petit ainda buscam outros dois irmãos dela que estavam no Araguaia. A
maioria das famílias, porém, segue sem resposta.
Maioria já morreu. Dos 32 familiares que constam na ação na Justiça Federal, 22
morreram sem ver o fim o processo. Parentes dos parentes acompanham o processo e
aguardam alguma resposta oficial. Dos 22 que entraram com a ação original, apenas
um familiar está vivo.

Imagem: Arte/UOL

Imagem: Arte/UOL

Imagem: Arte/UOL
Piora sob Bolsonaro
A situação se agravou no governo Bolsonaro. Foi extinto o grupo responsável pelas
pesquisas sobre o Araguaia, e os trabalhos da Comissão dos Mortos e Desaparecidos
Políticos foram paralisados quase integralmente, até serem interrompidos em 2022. O
colegiado havia sido criado em 2011 para investigar violações de direitos humanos
durante a ditadura militar.
Justiça dá ultimato. Em julho de 2022, a Justiça realizou uma audiência pública com
representantes do governo e, ao final, foram dados 15 dias para o governo provar que
estava adotando medidas para cumprir a condenação e 30 dias para recriar o grupo
responsável por levantar informações sobre os desaparecidos.
Quase dois anos depois, sem medidas concretas. Diante disso, em 8 de maio de
2024, a Justiça Federal determinou a recriação de um órgão para dar alguma resposta
aos familiares e cobrou do governo um plano de trabalho a ser apresentado em 15 dias.
Só então, o Ministério dos Direitos Humanos encaminhou a Lula uma proposta de
minuta sobre um “grupo interministerial” dedicado ao caso Araguaia.
Comissão é recriada. Em 4 de julho daquele ano, o governo Lula reinstalou a
Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, que realizou sua primeira sessão em 30
de agosto daquele ano. Na ocasião, foram discutidas propostas para retomar os
trabalhos para buscar respostas sobre os mortos da Guerrilha do Araguaia.
Críticas ao plano do governo Lula. O Executivo diz na própria proposta apresentada
à Justiça Federal no ano passado que não havia disponibilidade orçamentária para
custear as atividades naquele ano, mas que, se o plano fosse aprovado, poderia
reservar verba no orçamento de 2025 para isso.
MPF pede mais multa. Os procuradores apontaram inconsistências no cronograma de
execução, ausência de previsão de recursos financeiros e humanos, além de não
prever indicadores de desempenho e de mecanismos de monitoramento. Solicitou ainda
à Justiça Federal que ampliasse a multa diária como forma de pressão.
Caso aguarda decisão da Justiça Federal. Ela vai analisar tanto o plano de trabalho
apresentado pelo governo quanto os pedidos do MPF. O juiz do caso já indicou que
pode solicitar a investigação de autoridades públicas que descumpriram decisões
judiciais e também que tenham agido de má-fé no processo.
“Décadas após o trânsito em julgado do processo judicial que garantiu o direito dos familiares enterraram seus entes queridos, que lutaram contra a ditadura militar e pela redemocratização do país, eles continuam sem poder efetivar tal decisão judicial. Mesmo diante da reinstalação da comissão, as atitudes protelatórias da União apenas reforçam que não se vislumbra a concretização da coisa julgada.”
-Paulo Freire, advogado de uma das famílias que está na ação contra a União
Cronologia









O que dizem os ministérios envolvidos
Ministério dos Direitos Humanos diz que recriação da comissão não tem relação
com decisão judicial. Segundo a pasta, o colegiado foi recriado “quando as
providências administrativas e burocráticas para sua criação se consumaram”, sem
explicar quais foram as providências que demandaram um ano e meio de trabalho.
Ministério aponta cumprimento de sentença. Questionada sobre as criticas ao
plano de trabalho, a pasta disse que ele estabelece três eixos de atuação que estariam
de acordo com a sentença judicial. A proposta aguarda homologação da Justiça
Federal.
AGU saiu em defesa de plano e não comentou críticas. Em nota, a pasta que
representa o governo na ação na Justiça aponta que a proposta é “o único
direcionamento estruturado no sentido de se obter o melhor cumprimento possível da
sentença, sendo certo que todos os esforços estão sendo realizados no sentido de
viabilizar a sua execução”. Procurado, o Palácio do Planalto informou que somente a
AGU se manifestaria sobre o processo.
*Com Informação do UOL

