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quarta-feira, 26 de novembro de 2025
O RIO BRANCO
Política

Lei Magnitsky coloca os bancos brasileiros em dilema bilionário

Flávio Dino e Alexandre de Moraes: impasse jurídico para os bancos (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Dilema entre bloquear clientes por ordem dos EUA e obedecer às leis locais não é novidade para instituições internacionais — e pode ser referência para o Brasil

Por Ruth Costas, de Vigo, na Espanha (VEJA)

As sanções americanas a Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), em julho, deixaram os bancos que atuam no Brasil no fio da
navalha. Por um lado, não cumpri-las pode resultar em multas bilionárias nos
Estados Unidos. Por outro, se as instituições financeiras as aplicarem, correm
o risco de ser punidas pela Justiça brasileira — para reforçar esse ponto, uma
decisão de Flávio Dino, também ministro do STF, referente a outro caso (mas
feita sob medida para defender o colega de toga), determinou que leis e ordens
executivas estrangeiras não são válidas no Brasil. Não demorou para que
bancos como Itaú, Bradesco e BTG Pactual começassem a receber cartas do
governo americano exigindo informações sobre o cumprimento das sanções
contra Moraes, que se deram no âmbito da Global Magnitsky, originalmente
criada para decretar a “morte financeira” de pessoas acusadas de corrupção ou
graves violações de direitos humanos. No centro das preocupações está o
Banco do Brasil, que detém a folha de pagamentos do STF e mantém operação
nos Estados Unidos.

Agência do Banco do Brasil nos EUA: operações em dólar e atuação internacional ameaçadas (./Divulgação)

Não se trata de um dilema inédito. Bancos com atuação internacional tentam
há décadas conciliar as sanções americanas com as leis de suas matrizes.
Desde 1996, as empresas da União Europeia (UE), por exemplo, são proibidas
pelo chamado Estatuto de Bloqueio de cumprir sanções americanas. Para
atender às restrições dos Estados Unidos, os bancos precisam obter uma
autorização da Comissão Europeia, mas o processo é burocrático. “Em teoria,
normas locais prevalecem, mas, na prática, nem sempre está claro para as
empresas globais como aplicar a lei”, disse a VEJA NEGÓCIOS uma executiva
de compliance do setor financeiro europeu que pediu para não ser identificada
por não ter autorização para falar em nome de sua empresa. “Contratamos
escritórios de advocacia especializados para emitir pareceres sobre as possíveis
implicações de aderir ou não às sanções. Além disso, se o braço europeu da
empresa for obrigado a prestar serviços a indivíduos sancionados para não
ferir o Estatuto de Bloqueio, é preciso separar totalmente essa transação das
operações em dólar ou nos Estados Unidos.”

Um obstáculo para a aplicação do Estatuto — e que também complica a adesão
à decisão de Dino no Brasil — é o poder dos Estados Unidos no sistema
financeiro global. O dólar responde por mais da metade dos pagamentos
comerciais e das remessas internacionais, por meio de um sistema conhecido
como Swift. Bancos que não obedecem às sanções podem até ficar
impossibilitados de operar em dólares. A UE não tem como impedir isso —
nem o Brasil. “O custo de ser sancionado pelos Estados Unidos é tão alto que a
maioria dos bancos cumpre as restrições, independentemente do que digam
seus governos”, diz Anton Moiseienko, da Universidade Nacional da Austrália,
especialista na Lei Magnitsky.

O Tribunal Penal Internacional, na Holanda: juízes sancionados neste ano pelo governo Trump (ICC/Divulgação)

Em fevereiro deste ano, por exemplo, a Suprema Corte da Suíça determinou
que bancos locais, como o UBS, descongelassem 15 milhões de dólares de três
clientes russos sancionados pelos Estados Unidos por envolvimento em um
esquema de corrupção denunciado pelo advogado Sergei Magnitsky — cuja
morte na prisão, em 2009, inspirou a lei americana que leva seu nome. Uma
investigação suíça não conseguiu comprovar ligação direta entre esses fundos
e a corrupção denunciada por Magnitsky. “Meses depois, porém, não temos
notícias de que o desbloqueio tenha ocorrido. O UBS alega sigilo, mas acho
difícil que liberem os recursos, sob o risco de chamarem atenção dos Estados
Unidos”, diz Mark Pieth, ex-chefe da unidade de Crime Econômico e
Organizado do Ministério de Justiça e Polícia da Suíça.

Em geral, costuma ser mais fácil abrir a exceção em casa do que correr o risco
maior de desobedecer aos desígnios dos Estados Unidos. “Os bancos
costumam argumentar que não cumprir as sanções põe em risco seus modelos
de negócios e afasta outros clientes”, diz o advogado Jeremy Paner, sócio da
banca Hughes Hubbard & Reed, em Nova York, e ex-investigador-chefe do
Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros dos Estados Unidos (Ofac, na
sigla em inglês). Esse é o órgão oficial que aplica as sanções e que mantém a
lista de pessoas e entidades proibidas de fazer operações em dólar ou usar
cartões de bandeiras americanas, como Visa e Mastercard. Além de Alexandre
de Moraes, a relação inclui 17 000 nomes, desde terroristas até organizações
criminosas como o Primeiro Comando da Capital (PCC), e é analisada com
lupa pelos departamentos de compliance de bancos internacionais. O maior
temor das instituições financeiras é serem elas mesmas incluídas na lista da
Ofac, perdendo acesso a redes internacionais de pagamentos, clientes e
parceiros. “Acho pouco provável que a Ofac sancione o Banco do Brasil como
um todo — isso seria muito disruptivo. Mas uma subsidiária ou parte de suas
operações pode se tornar alvo”, diz Paner.

Carrie Lam, de Hong Kong: salário em espécie e guardado na gaveta de casa (Jin Liangkuai/Xinhua/AFP)

A exclusão total do sistema é uma medida rara, no geral aplicada apenas a
bancos de países sob embargo, como Rússia, Irã e Coreia do Norte. Mas bancos
que cometem infrações podem ter de pagar multas pesadas. Em 2014, o
francês BNP Paribas pagou 8,9 bilhões de dólares por facilitar transações em
dólares com entidades do Sudão, do Irã e de Cuba. Até o Banco do Brasil já
recebeu uma multa modesta, de 139 500 dólares, em 2015, por possibilitar
importações de tapetes do Irã via filial em Nova York.

Neste ano, o governo do presidente americano Donald Trump criou um novo
desafio para os bancos europeus ao impor sanções ao Tribunal Penal
Internacional (TPI), que julga crimes contra a humanidade e é reconhecido
por 125 países (entre os quais o Brasil), mas não pelos Estados Unidos. Desde
junho, seis juízes do TPI foram incluídos na lista da Ofac por autorizar
investigações de soldados americanos e emitir um pedido de prisão do premiê
israelense Benjamin Netanyahu. Também foi sancionada a italiana Francesca
Albanese, relatora de Direitos Humanos da ONU.

Responsável por garantir que o TPI possa operar com independência, o
governo holandês está negociando com bancos locais (ING, Rabobank e ABN
AMRO) uma saída para o impasse. Algo semelhante pode ser tentado no Brasil
para proteger o STF das sanções. “A resposta mais simples seria transferir as
contas dos ministros da Corte para um banco com exposição internacional
limitada, com o Estado oferecendo garantias caso surjam problemas”, diz
Moiseienko. “Na Rússia, os sancionados levam uma vida normal, em um
universo financeiro paralelo que não depende dos Estados Unidos.” Nem
sempre, porém, é possível contornar as sanções. Carrie Lam, ex-chefe do
Executivo de Hong Kong, por exemplo, sancionada em 2020, recebia seu
salário em dinheiro vivo e o guardava na gaveta de casa.

É espantoso, para a democracia brasileira, se ver discutindo subterfúgios
financeiros comuns em ditaduras. “Desde 2001, as sanções serviram com o
objetivo legítimo de combater terrorismo, tráfico de drogas e violações de
direitos humanos. Agora, causa consternação ver esse sistema sendo usado
contra juízes sem relação com esses crimes”, diz Iryna Bogdanova, da
Universidade de Luxemburgo, autora de um livro sobre sanções unilaterais.
Equilibrar-se no fio da navalha das sanções se tornou ainda mais arriscado.

 

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