Atualizada em 03/05/2025 12:13
Entre os movimentos ágeis e precisos do jiu-jítsu, os sonhos ganham vida sobre o tatame montado na área externa do 3º Batalhão da Polícia Militar do Acre (PMAC), em Rio Branco. Mais do que faixas, quimonos e ensinamentos da arte marcial, jovens compartilham esperanças e, com o apoio da corporação, alimentam anseios para suas vidas.
Em dias alternados, crianças e jovens, orientados pelo mestre, sargento Ricardo dos Santos, reúnem-se para aprender a técnica da modalidade e são acompanhados pelos policiais no projeto Força e Honra.

Para integrar o grupo, é obrigatório estar bem na escola e em casa. Muitos pais acompanham as aulas e também têm no batalhão um aliado na educação desses jovens de bairros periféricos da capital.
Quem participa relata o impacto social da ação em sua realidade, espelhando-se em seu mestre para dar continuidade a uma perspectiva que tem mudado vidas.
As medalhas já não cabem todas no pescoço de Guthery Wally Leite, de 18 anos e há sete no projeto, faixa roxa na modalidade, o que simboliza um domínio mais avançado da arte marcial. Tudo o que o jovem sabe hoje a respeito aprendeu no programa coordenado pelos policiais do batalhão. Já no ensino superior, cursa educação física e sonha em se dedicar ao esporte. Mas nem sempre foi assim.

“Eu era um garoto que amava uma briga e arranjava muita confusão, mas esse projeto me mudou completamente. Com os ensinamentos do mestre e o contato com todos, passei a ser outra pessoa”, relembra.
O plano agora é se profissionalizar e dar continuidade ao que aprende, tendo o mestre como uma referência. Assim como foi acolhido e transformado por meio da prática, pretende fazer o mesmo por outros jovens.
Mesmo na faculdade, segue sendo acompanhado de perto pela coordenação do projeto. “Essas intervenções são importantes porque, como a gente é de periferia, é mais atraído a fazer coisas erradas. Ter um projeto no batalhão, onde a gente pode treinar e que cobra bastante também na escola, ajuda bastante”, completa.
Seguindo os passos do mestre
André Freitas, de 23 anos, faz parte da turma há oito. E também diz que é outro, desde que passou a frequentar as aulas, tornando-se uma inspiração para outros jovens. “Mudou muito minha educação e hoje acho que muitos aqui se espelham em mim”, acredita.
Prova disso é que sua irmã, Anyely dos Santos, por ele incentivada, passou a frequentar os treinos a partir dos 10 anos. “Gosto dos ensinamentos, porque cobram a gente na escola e ainda mais na vida. Isso me ajuda a pensar no meu futuro”, avalia.
“Desde criança, sempre quis fazer um esporte, mas não tinha oportunidade. Quando fiquei sabendo que tinha esse projeto aqui no 3º Batalhão, meu pai me trouxe e me inscreveu. Até hoje estou aqui e era mais do que eu imaginava”, relata Eduardo Santos, mais um a reconhecer que ficou mais tranquilo e disciplinado. “Pretendo levar os ensinamentos que estou tendo com o mestre Ricardo e ajudar outras crianças”, planeja.

Transpondo barreiras
Douglas Paixão, de 16 anos, tem malformação congênita nas pernas e, com uma técnica particular que desenvolveu ao longo do projeto, supera os adversários na luta.
“Sempre digo que as pessoas têm que tentar fazer tudo o que têm desejo. Além das técnicas, isso aqui é uma terapia, porque, às vezes, as pessoas têm problemas em casa e aqui a gente esquece um pouco”, reflete.
Para o futuro, quer continuar na carreira de lutador. “É algo que gosto de fazer. O que digo para as pessoas é que é difícil perder o medo das coisas, mas a gente tem que tentar”, acredita.

Aos 16 anos, Gustavo Mendonça diz que olha para atrás, para o jovem que era antes do projeto, e não aprova mais o que hoje entende como “errado”. E alimenta o anseio de ter seu próprio centro de treinamento.
“Nunca fui o melhor aluno da escola, mas comecei a treinar e ouvir muito o mestre; isso me ajudou bastante, mudei minhas atitudes e coisas que fazia. Agradeço aos meus mestres por isso”, enfatiza, ao revelar que pretende seguir carreira militar e abrir uma academia de jiu-jítsu.
“Quero dar aulas em bairros periféricos para ajudar as pessoas como eu, ou como as pessoas que treinam aqui, em regiões mais carentes. O que veio para mim, planejo espalhar para os outros também”, idealiza.

Victor Gabriel do Nascimento quer ser bombeiro militar e acredita que o programa tem sido um aliado nessa preparação, não apenas física, mas mais ainda humana.
“O professor Ricardo tem um discernimento muito bom e acredito que ele consegue colocar na nossa mentalidade que esse projeto para a cidadania ajuda bastante e dá ênfase para que as pessoas que tenham mais educação dentro e fora do tatame. Assim, a gente consegue ser uma pessoa do bem”, entende.
Para os mais novos, como Ana Júlia Ramos, de 11, e a pequena Maria Valentina, de 7 anos, os treinos estão no começo. Elas pretendem um dia ser experientes como os colegas mais adiantados. Ana Júlia resume o sentimento desse laço: “Aqui somos uma família.”

De mãos dadas com a comunidade
Unanimidade positiva entre as falas dos alunos, o sargento Ricardo dos Santos é o coordenador do projeto, com o apoio e o aparato da comandante do 3º Batalhão, tenente-coronel Cristiane Soares.
O militar explica que a iniciativa foi implantada em 2017 e, mesmo com a mudança de lideranças, segue sendo incentivada pela Polícia Militar. Além do espaço de treinamento, ele explica que busca outras atividades recreativas para os jovens e, devido à credibilidade da realização, consegue patrocínios, como se deu numa ação de Páscoa que desenvolveu no batalhão.
Os militares também são os maiores incentivadores, reunindo-se e fazendo muitos planos saírem do papel, fortalecendo uma verdadeira ação social em que a PM envolve os jovens e as famílias.
“Os jovens vêm através de outros colegas e, a partir do momento que dão entrada aqui, são passadas para os pais as regras que devem seguir. Converso [também] com os professores, diretores, e vejo como está o comportamento deles”, destaca.
Somente com boas notas e assiduidade na escola os integrantes podem continuar no projeto. Essa é uma forma de garantir que os jovens se dediquem aos estudos.
“A gente tenta passar para eles o que é ser um cidadão de bem, com ética, disciplina e valores. Além disso, aqui é uma profissão, pois com o condicionamento físico estão preparados para concursos públicos que exijam o teste de aptidão física e podem dar aula de jiu-jítsu”, observa.
Para o sargento, os pais são uma peça fundamental para que o projeto surta efeito, de fato, na comunidade. Por isso, a orientação é que acompanhem e estejam presentes na vida dos filhos.
“Eles informam como os filhos estão em casa e a gente vai pensando junto em uma solução. Os pais precisam acompanhar o filho em tudo, inclusive torcer quando tem campeonato. É muito legal quando isso acontece”, avalia.

Ensinando o bem
Ivanilce Braz é vendedora e tem um filho de 11 anos que treina no batalhão. Testemunha da mudança comportamental do menino, define a ação da PM como fundamental na educação dele.
“Tira as crianças da rua, inibe eles quererem se envolver com coisa errada. E o impacto é que ele ficou mais responsável, ajuda mais em casa, porque educam as crianças, que passam a ter mais disciplina e isso ajuda muito a gente que é mãe e pai”, atesta.
Mãe de Guthery Wally, Gigliane Leite reconhece o movimento como a grande oportunidade de mudança na vida do filho. “Ele melhorou 100%. O comportamento e a presença do mestre na vida dessas crianças e jovens é muito legal de ver, porque realmente é como se ele fosse pai de todos aqui”, compara.
Gigliane completa ainda dizendo que trabalhos como esse revelam outra face da PM, a da prevenção: “Mostra que não estão apenas para prender, mas para evitar que um jovem cometa um erro”.
Com ações também na Vila do Incra, em Porto Acre, o projeto alcança cerca de 140 jovens no 3º Batalhão. E a comandante, tenente-coronel Cristiane Soares, não quer parar por aí.
“O projeto Força e Honra começou no 3º Batalhão, voltado para os filhos dos policiais militares, e com o tempo incluiu os jovens da comunidade da área. No ano de 2024, a gente deu um passo bem importante, que foi levar esse projeto também para o município de Porto Acre, e lá nós temos 50 meninos e meninas que participam”, informa.

Este ano, a oficial quer abraçar mais o público feminino e envolver ainda mais a família no movimento, oferecendo um espaço também para que mães possam aprender as técnicas marciais e reconhecer seus recursos interiores.
“Este ano queremos iniciar um novo capítulo, que é o Força e Honra Mulher. Seria mais um braço voltado especialmente para as mulheres adultas, oferecendo aula de defesa pessoal, grupos de meditação e palestras, com o intuito de ajudar cada mulher a se sentir mais segura, mais forte e dona de si. Isso mostra que a gente faz tudo com muito carinho, com a presença da Polícia Militar e com compromisso real de fazer segurança pública através da prevenção, cuidado e oportunidade”, define.
[Agência de Notícias do Acre]