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terça-feira, 25 de novembro de 2025
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Força-tarefa formada por MPT, MTE e PF resgata trabalhadores estrangeiros em condições análogas à escravidão em obras da Secretaria de Educação do Estado de Rondônia

A fiscalização foi desencadeada após denúncia; trabalhadores estavam com salários
atrasados, em situação de confinamento e vivendo em condições degradantes em
escola indígena em Guajará-Mirim
PORTO VELHO (RO) – Uma força-tarefa composta pelo Ministério Público do
Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Auditores-Fiscais do Trabalho do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal (PF) resgatou dois
trabalhadores estrangeiros que estavam sendo submetidos a condições análogas à
escravidão em obra pública executada pela Secretaria de Estado da Educação
(Seduc/RO). A operação foi deflagrada a partir de denúncia encaminhada ao MPT pelo
Programa de Pós-Graduação Profissional Interdisciplinar Direitos Humanos e
Desenvolvimento da Justiça da Universidade Federal de Rondônia (DHJUS/UNIR) e
teve como alvo a Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental 5 de Julho,
situada na Aldeia Ricardo Franco, às margens do Rio Guaporé, em Guajará-Mirim, na
fronteira com a Bolívia.

 

A operação contou com o apoio do helicóptero da Polícia Federal para acessar a
comunidade
A ação contou com a participação do Procurador do Trabalho Lucas Brum,
responsável pela operação, da Procuradora do Trabalho Camilla Holanda Mendes da
Rocha, representante regional da CONAETE (Coordenadoria Nacional de Erradicação
do Trabalho Escravo do MPT), dos Auditores-Fiscais do Trabalho Fernando Silva,
André Luis de Aguiar e André Vagner Dourado Santos (coordenador da força-tarefa),
do Defensor Público Federal Renan Laviola Rodrigues Freitas e de agentes da Polícia
Federal.

O Procurador do Trabalho Lucas Brum destacou a gravidade da situação identificada e
a importância da atuação integrada dos órgãos de fiscalização:
"O combate ao trabalho análogo ao de escravo exige atuação firme e coordenada
entre instituições, especialmente em obras públicas, onde a vulnerabilidade dos
trabalhadores pode ser explorada com o uso de recursos públicos. A parceria com o
Ministério Público do Trabalho fortalece a fiscalização, garante responsabilização e
promove ações preventivas. É essencial que órgãos públicos e entidades atuem de
forma integrada, compartilhando informações e estratégias. Só assim conseguiremos
erradicar práticas degradantes e assegurar condições dignas de trabalho. O
enfrentamento desse crime é um dever coletivo e institucional.

Situação encontrada
Os trabalhadores, ambos de nacionalidade venezuelana, estavam há cerca de dois
meses no canteiro de obras executando serviços de serralheria. Eles haviam sido
contratados sob promessa de salário compatível, pagamento quinzenal e direito a
cinco dias de folga ao final de cada mês para visitar suas famílias, mas nenhuma
dessas condições foi cumprida.
Para a Procuradora do Trabalho Camilla Holanda Mendes da Rocha, representante
regional da CONAETE/MPT RO-AC: o trabalho análogo à escravidão no Brasil segue
um padrão recorrente, que se inicia com o aliciamento de populações vulneráveis por
meio de falsas promessas de emprego e salário. Contudo, ao chegarem ao local de
trabalho, frequentemente isolado, os trabalhadores são submetidos a condições

degradantes de alojamento e alimentação e têm seus salários retidos por dívidas
fraudulentas, além de outras irregularidades. Essa grave violação de direitos humanos
exige uma vigilância constante da sociedade e uma atuação firme dos órgãos de
fiscalização para garantir a dignidade e a liberdade que são inalienáveis a todo
indivíduo, assim como a responsabilização dos agentes causadores, destacou a
procuradora.

De acordo com o professor do DHJUS/UNIR, a visita do Programa à Aldeia Ricardo
Franco foi parte do trajeto da Expedição Vale do Guaporé, projeto de extensão da
UNIR que contou com a participação de docentes e discentes de cinco Programas de
Pós-Graduação da instituição.  “Assim que chegamos à Aldeia Ricardo Franco, no dia
08 de agosto de 2025, fomos informados da situação da Escola Indígena Estadual 05
de Julho, que se encontrava em reforma havia algum tempo, e que as aulas estavam
acontecendo nas dependências de duas igrejas cedidas como espaço provisório.
Como um dos objetivos da visita do Programa DHJUS que integrou a Expedição Vale
Guaporé da UNIR era avaliar políticas públicas na área de educação, procuramos
conhecer as condições físicas da escola da aldeia. Chegando à escola, conversamos
com os funcionários responsáveis pela reforma. Nos deparamos com as condições
precárias de trabalho, de alojamento, alimentação, higiene e segurança a que os
trabalhadores estavam sendo submetidos. Ouvimos relatos de falta de pagamento de
salários e falta de fornecimento de alimentação adequada aos funcionários por parte
da empresa contratante. A situação era ainda mais grave pela imensa dificuldade ou
impossibilidade de deslocamento ou mesmo abandono do local de trabalho.

Entendemos que a situação configurava grave violação de leis trabalhistas e à
dignidade humana, pelas condições degradantes a que estavam submetidos os
trabalhadores. Procedemos então ao registro das condições em fotos e vídeos, com a
gravação de entrevista com funcionários da empresa responsável pela reforma da
escola, material que foi imediatamente enviado ao MPT 14ª região para avaliação de
ilegalidades e providências cabíveis. A ação foi facilitada pela parceria que o DHJUS
tem com o MPT 14ª Região, que tem possibilitado a formação de profissionais
capazes de identificar situações de violação nas relações de trabalho, incentivando a
adoção das medidas necessárias à proteção dos trabalhadores e trabalhadoras. Além
do professor coordenador da equipe DHJUS, estiveram envolvidos na ação mais dois
alunos e uma aluna da primeira turma de mestrandos da parceria do DHJUS com
MPT.

A fiscalização constatou atraso no pagamento de salários, restrição de liberdade de
locomoção – já que não tinham recursos para custear o deslocamento e deixar o local
–, além de alojamento em ambiente insalubre, sem condições adequadas de higiene e
com presença de morcegos. Em diversos momentos, a alimentação foi garantida pelos
próprios indígenas da comunidade, que levaram peixe, macaxeira e outros alimentos
para os trabalhadores, evitando que passassem fome enquanto aguardavam o
comparecimento do empregador.

Para o Auditor Fiscal do Trabalho, André Vagner Dourado Santos o que foi encontrado
na obra onde foram resgatados os trabalhadores venezuelanos “é o que se chama de
condições degradantes. Na obra os trabalhadores não tinham banheiro adequado:
utilizavam um banheiro que havia no local, mas como a obra estava em andamento,
não havia piso no banheiro; as aberturas de portas e janelas estavam fechadas com

pedaços de telhas de fibrocimento, e era esse local que os trabalhadores usavam para
fazerem sua higiene, sem as mínimas condições, além de trabalharem sem EPI
(equipamento de proteção individual)e de não terem realizado exames médicos
admissionais; para beber água usavam com copo coletivo uma latinha de cerveja
improvisada; dormiam em colchões, mas postos em cima de mesas escolares juntas
umas às outras; não havia armários – as roupas eram espalhadas no no pequeno
ambiente onde dormiam; por fim, as condições encontradas eram, mesmo
degradantes”.

O acesso à escola, localizada na aldeia indígena da comunidade Ricardo Franco, no
município de Guajará-Mirim, é feito predominantemente por via fluvial, pelo Rio
Guaporé. O trajeto terrestre é restrito e depende das condições climáticas e da
infraestrutura local. Na maioria dos casos, é necessário percorrer estrada até um porto
em Guajará-Mirim e, a partir daí, seguir de barco até a aldeia. Há ainda a alternativa
de transporte aéreo, embora seja de difícil acesso e pouco utilizada.
O auditor fiscal do Trabalho destaca ainda que “os trabalhadores estavam privados de
sair do local porque a empresa não pagava os salários regularmente e como o acesso
era difícil, eles não tinham dinheiro sequer tentar sair de lá. Por algumas vezes
tentaram falar com quem eles entendiam que seria o patrão e não obtiveram resposta,
o que acabou sendo configurado essa privação do direito de ir e vir por conta de não
receberem salário e se encontrarem em local de dificílimo acesso”.

Um dos trabalhadores relatou que esta foi a primeira vez que enfrentou situação
semelhante no Brasil. “Já passei por algo parecido na Guatemala, mas lá não tivemos
o apoio que estamos recebendo agora do Ministério Público e da fiscalização do
trabalho aqui em Rondônia”, disse. Ele contou também que se recusou a ficar no
alojamento inicialmente oferecido, em condições tão precárias que “até morcegos
havia por todo lado”. O outro trabalhador, emocionado, descreveu que o momento
mais marcante foi o reencontro com a família após o resgate: “Foi muito emocionante
abraçar meus filhos pequenos e minha esposa, e ouvi-los dizer chorando: ‘Você
voltou, papai’.”

Como resultado, foram adotadas medidas para garantir os direitos dos trabalhadores
resgatados, incluindo o encaminhamento à Secretaria Municipal de Inclusão e
Assistência Social (Semias) do Município de Porto Velho para atendimento psicológico
e análise da situação familiar, o pagamento de verbas rescisórias como aviso prévio
indenizado, saldo de salário, férias acrescidas de 1/3, 13º proporcional e horas extras,
totalizando R$ 33.200,00 líquidos, sendo R$ 16.600,00 para cada trabalhador, além da
expedição de uma recomendação ao Governo do Estado para que fiscalize de forma
rigorosa as empresas contratadas e se abstenha de firmar contratos com aquelas que
descumpram a legislação trabalhista, e esta em fase de negociação a assinatura de
um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com a empresa responsável pela obra.

A Escola 5 de Julho, onde ocorreu o resgate dos trabalhadores, atende entre 51 e 200
alunos, de acordo com o Censo Escolar de 2024, e enfrenta graves problemas
estruturais. Entre as principais dificuldades estão a falta de merenda escolar, a
insuficiência de materiais pedagógicos, banheiros quebrados e até casos de
infestação de morcegos. Em razão desse cenário, o Ministério Público Federal já havia
acionado a Justiça, que determinou ao Governo do Estado de Rondônia a retomada
das obras de reforma da instituição.
A intervenção na Escola 5 de Julho integra um conjunto de reformas e manutenções
prediais em escolas localizadas em comunidades indígenas e ribeirinhas, fruto de
compromissos assumidos pelo Governo do Estado de Rondônia em acordos judiciais
firmados com a Justiça Federal. A execução dos contratos é de responsabilidade da
Secretaria de Estado da Educação (Seduc/RO), por meio da Gerência de Gestão e
Controle de Contratos de Obras da Comissão de Infraestrutura (CGGO-Coinfra).

[ ASCOM-MPT/RO e AC]

 

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