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quarta-feira, 26 de novembro de 2025
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Fim das ‘portas escancaradas’: Portugal fecha cerco a brasileiros

(Adriana NegreirosDo UOL, em São Paulo)

O endurecimento da política migratória em Portugal tem causado medo e insegurança entre brasileiros que vivem no país.

Muitos relatam dificuldades para renovar documentos devido à demora da Aima (Agência para a Integração, Migrações e Asilo) e temem ser detidos pela nova polícia especializada em estrangeiros, criada em agosto.

Esse receio ganhou força após episódios recentes de deportações e detenções. Uma brasileira que retornava a Lisboa depois de férias no Recife foi separada do marido e dos filhos pequenos e enviada de volta ao Brasil —só ela ainda aguardava a autorização de residência.

Outros estrangeiros, dentre eles dois brasileiros, estão atualmente detidos no Centro de Instalação Temporária do Porto, aguardando expulsão do país, salvo se conseguirem regularizar a documentação.

As detenções são resultado da atuação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (Unef), polícia recém-formada por 1.200 agentes com autorização para abordar pessoas na rua e no transporte público, exigindo documentos. Em caso de ausência ou irregularidade, os estrangeiros podem ser detidos.

Atualmente, o único centro de detenção de imigrantes do país fica no Porto e tem
capacidade para abrigar 41 pessoas. Fora isso, há espaços nos aeroportos (de
Lisboa, Faro e do próprio Porto) destinados a abrigar os estrangeiros.

“Portas escancaradas”

Em fevereiro, o governo do primeiro-ministro Luís Montenegro (Partido Social
Democrata, de centro-direita) anunciou um investimento de 30 milhões de euros
para construir dois novos centros —um no norte e outro na região de Lisboa—,
agilizando assim a expulsão de imigrantes.

“É importante que o mundo saiba que acabou a política de portas escancaradas”,
disse o ministro da Presidência, António Leitão Amaro, na época do anúncio. Os
dois centros vão ter capacidade para 300 pessoas.

Os brasileiros são a maior comunidade de imigrantes de Portugal. São 513 mil
pessoas, segundo o Itamaraty, o que equivale a um terço dos estrangeiros vivendo
no país. O número não inclui os ilegais.

Em julho, o Parlamento português aprovou mudanças na Lei de Estrangeiros,
conhecidas como pacote anti-imigração, tornando mais difícil a autorização de
residência para imigrantes. Entre as alterações estão:

aumento do tempo de residência para a cidadania (de 5 para 7 anos para cidadãos
da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e de 10 anos para outros
estrangeiros);

restrição de vistos de trabalho apenas para “profissionais de altas qualificações”;

exigência de visto já na entrada, extinguindo a “manifestação de interesse” que
permitia regularização após chegada ao país;

mudança na regra de reagrupamento familiar, impondo dois anos de espera —
trecho considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, que deverá ser
revisto.

Parte dessas mudanças ainda aguarda ajustes no Parlamento, mas já provoca apreensão entre imigrantes. Quem contraria a lei é alvo em potencial da polícia para estrangeiros.

Protesto de imigrantes em Lisboa contra o endurecimento das leis migratórias em Portugal
Imagem: Horacio Villalobos – 17.set.25/Corbis/Corbis via Getty Images

Brasileiros relatam que a demora na regularização tem impacto direto em suas
vidas. A arquiteta paulista Amanda Turchetto, que vive em Vila Nova de Gaia desde
2019, viu sua autorização de residência vencer em julho sem conseguir atendimento
na Aima.

Seu filho, de dez anos, está na mesma situação desde março. O marido, um chef de
cozinha, é o único com documentos em dia na família. A gerente do banco a alertou
que, se o problema não for resolvido até outubro, ela perderá acesso à conta.

“Agora não consigo comprar uma televisão em três vezes na loja”, afirma Amanda,
comparando a atual dificuldade com a facilidade de abrir conta bancária e adquirir
um imóvel seis anos atrás.

Imagem: Arte/UOL

Percepção de hostilidade

Advogados e associações que apoiam imigrantes apontam uma mudança de
postura do Estado e da sociedade portuguesa. “É uma caça às bruxas. Nunca vi
ostensividade igual”, diz a advogada Catarina Zuccaro, que vive há 25 anos no país
e atua na defesa de estrangeiros.

As instalações do Porto onde estão os estrangeiros são consideradas dignas pela
advogada. Ela afirma que os detidos ficam acomodados em quartos sem grades,
“mas obviamente não podem sair pela porta de entrada”. Bruno Santos Aguiar,
advogado paulista radicado no Porto, afirma que há um “pânico generalizado” entre
imigrantes e relata uma lentidão inédita nos processos de nacionalidade.

Cinco anos atrás, ele afirma, uma pessoa que entrasse com pedido de
nacionalidade por descendência recebia uma senha do cartório (para acompanhar o
processo online) no mesmo dia.

“Hoje, a emissão da senha demora seis meses”, ele diz.

Já a advogada Tatiana Kazan percebe um endurecimento dos agentes policiais nos
aeroportos, “incentivados pelo discurso governamental de que não há mais ‘portas
escancaradas'”.

“É perceptível que há uma intenção de restringir bastante a imigração em Portugal”,
concorda a advogada Patrícia Peret, diretora da Casa do Brasil em Lisboa, entidade
de apoio a brasileiros no país.

Ao UOL o Itamaraty informou que a situação dos brasileiros em Portugal será tema
de reunião entre o governo dos dois países em 30 de setembro, em Lisboa, na
Subcomissão de Assuntos Consulares e Circulação de Pessoas.

“Parte da comunidade brasileira em Portugal tem enfrentado dificuldades no
processo de regularização migratória, o que a mantém em situação de
vulnerabilidade socioeconômica, sem acesso a serviços públicos”, informou o
Itamaraty, por meio de nota.

Logo após o início das operações da Unef, o Consulado do Brasil em Lisboa divulgou
uma cartilha com recomendações.

O documento orienta que os brasileiros sempre portem uma série de documentos em
vias públicas, incluindo comprovantes de descontos e pagamentos à Seguridade Social.

Mediante abordagem policial, a recomendação é colaborar com as autoridades.

“Em caso de detenção, o imigrante brasileiro tem direito de apresentar provas de sua
vinculação cotidiana com Portugal, bem como de contestar judicialmente a detenção”,
afirma a cartilha.

Imagem: Arte/UOL

“Situação descontrolada”

O aperto no cerco migratório é uma das principais bandeiras do governo de Luís
Montenegro, do PSD, de centro-direita, que nisso conta com apoio do partido de
extrema direita Chega, segunda força política no Parlamento.

O governo justifica as medidas afirmando que encontrou, ao assumir, mais de 400
mil processos de regularização pendentes. Desde então, diz ter regularizado mais
de 100 mil brasileiros.

Afirma ainda que, no passado, Portugal não cumpriu as leis de imigração e, assim,
“registrou-se o descontrole nas entradas que levou ao colapso do sistema de
regularização” de imigrantes no país.

“Não se sabia quem eram, onde estavam e o que faziam. Pessoas vulneráveis, sem
proteção e sem direitos”, disse o governo, por meio da assessoria de imprensa.

Manifestantes anti-imigração levantam cartaz em Lisboa contra a permanência de estrangeiros em Portugal durante protesto contra o endurecimento de leis migratórias no país
Imagem: Horacio Villalobos#Corbis/Corbis via Getty Images

Aumento da xenofobia

Paralelamente, cresce a percepção de hostilidade social.

Uma pesquisa da Fundação Francisco Manuel dos Santos, realizada entre junho e agosto de
2024, mostra que 51% dos portugueses consideram os imigrantes uma ameaça aos valores e
tradições do país —em 2010, eram 28%.

Mais da metade dos entrevistados defende a redução do número de brasileiros em Portugal.
A porcentagem (51%) só perdeu para os que consideram boa ideia diminuir a imigração de
cidadãos da Índia, Paquistão, Nepal e Bangladesh —60,8%.

Por outro lado, 53,4% dos portugueses são favoráveis a que os imigrantes de nações
ocidentais —Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e França, dentre outras— mantenhamse no país.

A hostilidade, portanto, é maior quanto mais pobre for o país de onde venha o imigrante.

No caso dos brasileiros, afirma a advogada Catarina Zuccaro, dinheiro na conta pode ser
atenuante para o preconceito, mas não é garantia de que serão bem tratados no país.

“O que mais ouvimos dos serviços públicos é: ‘Esses brasileiros que têm um pouco mais de
dinheiro vêm para cá e acham que podem falar conosco em cima do nariz”, diz a advogada.

Brasileiros que se impõem, segundo Zuccaro, são vistos como “arrogantes”.

Imagem: Arte/UOL

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