Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump; republicano detonou uma guerra comercial Foto: Alex Brandon/AP
Segundo mandato do presidente americano tem chacoalhado a economia global; mundo deve crescer menos e viver num contexto mais arriscado

O retorno de Donald Trump para a Casa Branca chacoalhou o mundo. Neste domingo, 20, quando alcança a marca de seis meses do seu segundo mandato, o republicano caminha para deixar como legado – ao menos por ora – uma economia global que deve crescer menos nos próximos anos e uma conjuntura muito mais arriscada.
“É difícil ver os primeiros seis meses de um governo tão ruim como esse na histórica norte-americana”, diz Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados. “Se formos comparar com os presidentes das últimas décadas, Trump entra na história como o pior de todos. Ele não tomou nenhuma medida adequada que possa ser positiva para a economia dos EUA e mundial.”
Em abril, o Fundo Monetário Internacional reduziu a expectativa de crescimento da economia mundial de 3,3% para 2,8%. À época, o FMI alertou para o fato de a economia global ser caracterizada por um elevado grau de integração econômica e financeira e indicou que o tarifaço de Trump é uma “importante fonte de turbulência”.
Com as tarifas de importação, por exemplo, Trump detonou uma guerra comercial agressiva e colocou o mundo num cenário de grande incerteza – o que, no limite, inibe os investimentos das empresas e o consumo das famílias. “É uma reviravolta completa. Ele, na verdade, volta 60 anos na política comercial”, diz Gesner Oliveira, sócio executivo da consultoria GO Associados.
Nesses seis meses, Trump tem adotado uma política comercial de “morde e assopra”. No pior momento, os analistas ficaram receosos com a possibilidade de um impacto maior na atividade global. Hoje, a leitura que se faz é que as tarifas vão prevalecer, mas não serão tão agressivas quanto se imaginava no início do segundo governo do republicano.
Em 2 de abril, no que chamou de “Dia da Libertação”, Trump anunciou suas tarifas recíprocas para 185 países. Poucos dias depois, teve de adiar a entrada em vigor das tarifas por 90 dias, porque o mercado financeiro entrou num modo de pânico. As empresas chegaram a perder trilhões em valor de mercado e os investidores se desfizeram de títulos dos EUA – num claro sinal de que a economia americana havia deixado de ser um porto seguro.
Com o fim do prazo, Trump voltou a anunciar as suas tarifas para outras economias – o Brasil recebeu a mais alta, de 50%. A expectativa por alguma negociação entre os países e a distância de um cenário mais radical ajudaram as bolsas dos EUA a apresentarem alguma recuperação nas últimas semanas.
De acordo com um levantamento da Elos Ayta, entre o início do mandato de Trump até 16 de julho, o índice Dow Jones avançou 1,76%, o Nasdaq subiu 5,61% e o S&P 500 registrou alta de 4,45%.
“Todas as idas e vindas do Trump em relação às tarifas dão mais ânimo para os investidores”, afirma Gustavo Rostelato, economista da Armor Capital. “Cada vez que o Trump volta um pouco atrás na questão das tarifas, vemos um ânimo mais elevado por parte dos investidores. Eu caracterizaria esse ambiente como de alta volatilidade.”
Na campanha presidencial do ano passado, Trump prometera retomar pontos polêmicos do seu programa econômico, como as tarifas de importação e medidas mais duras para imigrantes. São políticas que podem piorar o quadro da inflação e reduzir o crescimento econômico.
No primeiro trimestre, a antecipação de importação levou o Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos a recuar, e a inflação já dá alguns sinais de que as empresas começam – ainda que de forma tímida – a repassar o impacto das tarifas para os consumidores.
“Boa parte do mercado, inclusive, esperava ver um impacto mais rápido das tarifas. Ou seja, um repasse do aumento das tarifas para o consumidor”, afirma Rostelato. “Isso começou a ocorrer nos dados de junho. É um processo ainda inicial.”
Em junho, o Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) subiu 0,3% ante maio. Na comparação anual, o avanço foi de 2,7% em junho. Os analistas consultados pelo Projeções Broadcast esperavam altas de 0,3% e 2,6%.
Com um cenário repleto de incertezas, a missão do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) de trazer a inflação para a meta de 2% também ficou mais árdua. E há ainda um outro ingrediente de dificuldade: os ataques de Trump ao presidente do BC norte-americano, Jerome Powell – o mandato dele só termina em janeiro de 2028.
Publicamente, o presidente dos EUA tem defendido uma queda das taxas de juros no país. Mas o republicano negou a possibilidade de demitir Powell, cujo mandato se encerra em maio do próximo ano.
“Uma das grandes vantagens do mercado americano é que há uma noção de que as regras são muito respeitadas”, afirma Gesner. “Pela primeira vez desde que os Estados Unidos se tornaram uma potência, isso está sendo questionado, o que acaba aparecendo nas (altas das) taxas de juros dos títulos do Tesouro americano e numa certa desvalorização da moeda norte-americana. Claramente, você tem uma dúvida em relação à segurança jurídica nos EUA.”
Questão fiscal
A economia norte-americana ainda lida com uma incerteza do lado fiscal. O rombo das contas públicas é crescente e vai piorar. Neste mês, o Congresso aprovou um pacote que piora a situação. Apelidado “One Big Beautiful Bill” (Um grande e belo projeto), o projeto deve aumentar a dívida pública dos Estados Unidos em cerca de US$ 3,3 trilhões (R$ 18 trilhões) ao longo dos próximos anos.
Em maio, a Moody’s Ratings rebaixou a nota dos Estados Unidos de ‘Aaa’ para ‘Aa1’. Na decisão, a agência de classificação de risco destacou o aumento por mais de uma década da dívida do governo.
“A questão fiscal também está absolutamente mal encaminhada. A gente vê o governo dos EUA com uma dívida elevada, tem um déficit público bastante elevado, de quase 8% do PIB. Isso vai demandar um ajuste fiscal significativo”, afirma Vale.
“O Trump fez a pior escolha possível. Manteve o pacote de 2017 (primeiro ano do seu mandato anterior) com corte de impostos e fez um pacote em que corta mais imposto para quem é rico e corta benefício social para quem é pobre. Uma das consequências desses seis primeiros meses vai ser piorar ainda mais a desigualdade de renda nos EUA.”


