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domingo, 24 de agosto de 2025
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Política

Embaixador José Alfredo Graça Lima: “Brasil não é tão dependente dos EUA”

Publicado em 24/08/2025

Embaixador, José Alfredo Graça Lima, um dos primeiros negociadores do Brasil nas conversas entre o Mercosul e a União Europeia (UE). – (crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

Diplomata considera que, nesta relação comercial, os norte-americanos saem perdendo. Adverte, ainda, quer não será fácil redirecionar as exportações antes destinadas a eles para outros mercados — algo a ser feito com cuidado para evitar mais sanções de Donald Trump

Para o vice-presidente do Conselho Curador do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), embaixador José Alfredo Graça Lima, passou o tempo em que o Brasil era muito dependente dos Estados Unidos em termos de comércio exterior. Mas, apesar de o diplomata considerar que essa relação é mais desfavorável para os norte-americanos do que para os brasileiros, ele afirma que é difícil achar bons substitutos, no curto e no médio prazos, para vender os produtos exportados aos EUA — como café e pescados. Graça Lima defende que a abertura de novos mercados, porém cuidadosamente para que não sejam fechados por pressão dos norte-americanos.

O embaixador avalia, ainda, que a movimentação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para reunir apoio de países do Brics e da União Europeia contra as tarifas de Donald Trump tem poucas chance de resultados concretos. Isso porque, conforme adverte, cada nação tem interesses particulares e está negociando diretamente com os EUA, não em bloco. Mas, apesar de todas as dificuldades, Graça Lima sustenta que a Organização Mundial do Comércio “ainda está viva” — ainda que haja um crescente desrespeito à legislação internacional e o desmonte do órgão de apelação da OMC. Leia a seguir a entrevista ao Correio.

Como o senhor avalia a posição brasileira no tarifaço imposto pelo governo Trump ao Brasil?

O Brasil foi o país que sofreu a mais alta tarifação. Só foi igualado, talvez, pela Índia, por causa do comércio de combustível com a Rússia. Mas é mesmo surpreendente que produtos como o café, que são necessários para o dia a dia do norte-americano, passem a pagar uma taxa de 50%, sem que isso possa ser justificado pelos Estados Unidos. Eles alegam ou vão alegar em um foro multilateral que é questão de segurança nacional. Essa é a situação que nós estamos agora.

Esse cenário deve se manter por muito tempo?

As sanções foram muito importantes — e vão continuar. Aqueles itens que vão pagar só uma uma tarifa de 10%, isso não chega a prejudicar. Encarece para os norte-americanos, não para o exportador. Então, a situação é volátil e diversa, de acordo com o setor do qual você está falando. Os excetuados são beneficiados, mas os que vão pagar esses 50% são efetivamente prejudicados.

Uma das opções que o Brasil adotou é recorrer à OMC. O que pode sair dessa iniciativa?

Já foi interposta uma ação na OMC. Os norte-americanos vão cumprir os procedimentos. Eles são obrigados a aceitar a consulta, deliberar em um painel e vão alegar segurança nacional. Acontece que esse eventual e evidente ganho de causa para o Brasil não vai, necessariamente, resultar em uma suspensão da medida, porque falta à organização agora um órgão de apelação, que é o tribunal de última instância, que os norte-americanos trataram de desativar, bloqueando o processo de indicação.

Os EUA também iniciaram investigações sobre outros mecanismos brasileiros, como o Pix. Isso também pode prejudicar as exportações?

O que é mais preocupante no momento, na verdade, são as investigações sobre a Seção 301 da Lei de Comércio. Vai ter audiências públicas em 3 de setembro e dessa investigação — em que os Estados Unidos substituem a OMC como inquisidor e também como juiz — podem resultar em restrições ao comércio com o Brasil.

Há um desmonte das regras internacionais do comércio?

As regras estão lá, continuam existindo e a OMC está viva. Acontece que as regras estão sendo desrespeitadas. Elas estavam sendo respeitadas, as disputas estavam sendo julgadas e as decisões cumpridas até o órgão de apelação ser desativado. De qualquer maneira, mesmo assim, mais de 80% do comércio é realizado, agora, sob o princípio da nação favorecida. De modo que as exceções estão na forma dessas tarifas mais altas, que são violatórias dos compromissos norte-americanos. O que está faltando é, justamente, o chamado “poder de atuação”, por parte da OMC, para fazer cumprir a regra.

Os Estados Unidos pararam de indicar juízes ao órgão de apelação ainda em 2016, no governo de Barack Obama. Isso facilitou a política agressiva de Trump?

Isso representa não um incentivo, mas uma certa abertura para ações unilaterais, não há dúvida. Não é que tenha sido uma estratégia, do meu ponto de vista, quando na época ainda do Obama o processo de indicação de árbitros começou a ser bloqueado. Eles não antecipavam que isso fosse se tornar, com Trump, um procedimento padrão — que chegasse a um ponto em que o órgão fosse desativado. O próprio [ex-presidente] Joe Biden, evidentemente, também não colaborou muito no fortalecimento do sistema. Deixou rolar.

O que levou a essa paralisação da OMC?

Isso tudo foi por causa da concorrência chinesa, desde 2001, com a entrada da China na OMC, passando por 2016 e pela pandemia. Havia razões mais geopolíticas do que comerciais para você começar a introduzir turbulência no comércio exterior.

O Brasil precisa depender menos das exportações para os Estados Unidos?

O Brasil não é tão dependente dos EUA quanto era no passado. Na verdade, nos últimos anos, se você olhar, os EUA se tornaram, do ponto de vista da balança comercial, mais dependentes do Brasil. No entanto, temos uma oferta exportável para os EUA que dificilmente vai poder ser, pelo menos no curto e no médio prazos, redirecionada para outros mercados. E isso é problema. São os casos do café e do pescado. Felizmente o suco de laranja ficou de fora disso. Mas tem muita integração em termos da cadeia de valor com os distribuidores, com os engarrafadores nos EUA. Isso cria uma uma relação de interdependência que é muito saudável, muito favorável ao comércio.

O que o Brasil pode fazer, no cenário internacional, para diminuir o impacto dessa taxação?

Você, evidentemente, tem sempre procurar outros mercados, desde que esses mercados também não se não se fechem para o Brasil. Você pode imaginar que, se houver aceitação por parte da China para importar mais soja dos EUA, o Brasil pode vir a ter sua demanda por soja reduzida. Não chega a ser um dano irreparável nem nada, mas sempre faz parte das nossas contas, em termos de balança. Isso tudo tem que ser observado e monitorado para ver de que forma você pode recuperar espaço, sobretudo por conta desses setores mais sensíveis à sobretaxa.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva organiza uma Cúpula Virtual do Brics e faz ligações para líderes europeus para tratar do tarifaço. Esse movimento pode aliviar o tarifaço, ao aumentar a pressão contra os EUA?

Francamente, não acredito nessa possibilidade. Em primeiro lugar, porque cada país tem um contrato específico na OMC, um conjunto de compromissos específicos. Na OMC, cada país ou grupo de países, no caso da União Europeia, assume compromissos formais. Por exemplo, de não aplicar tarifa superior àquela que foi consolidada. A menos que você constitua uma área de livre comércio, ou uma união aduaneira, você não responde como bloco a nenhuma infração que possa ser cometida. Esses países do Brics não têm livre comércio nem formam união aduaneira. Cada país tem interesses muito específicos em matéria de comércio exterior, até com disputas eventuais. É o caso entre Brasil e Índia, por causa do açúcar.

Esse movimento é necessário, então?

É claro que, diante dessa situação tão inusitada, o discurso é importante. É importante você manifestar desagrado, como o Brasil está fazendo na resposta à Seção 301, e acionando a OMC. Isso faz parte do processo. Mas, em termos reais, efetivos, eu não vejo que resultados concretos possam surgir dessas reuniões ou dessas manifestações.

Quem é o diplomata

O embaixador José Alfredo Graça Lima atuou como responsável pelas negociações do Brasil e do Mercosul, sherpa do Brics, e serviu em quatro painéis da Organização Mundial do Comércio (três como presidente) e como árbitro do Mecanismo Provisório de Apelação do órgão entre 2020 e 2025. Além disso, é autor do estudo Novos Tempos para o Comércio Internacional — Rumos para o Brasil, publicado pelo Cebri e pela Fundação Konrad Adenauer.

Por Victor Correia (CB)

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