Por Opinião do Estadão
A confessada violação da tornozeleira eletrônica, que o mantinha em prisão domiciliar, tornou a prisão preventiva não apenas legítima, como necessária à manutenção da ordem pública
A prisão preventiva de Jair Bolsonaro, decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, é a consequência jurídica de um fato objetivo: o ex-presidente tentou destruir a tornozeleira eletrônica que o mantinha em regime de prisão domiciliar. Não se trata de suposição ou interpretação criativa da lei. Bolsonaro admitiu à Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal que utilizou um ferro de solda para tentar abrir o equipamento por “curiosidade”. Ora, além de inverossímil, essa justificativa é irrelevante para o Direito. À luz do art. 312 do Código de Processo Penal, está-se diante de uma inequívoca violação de medida cautelar, ou seja, base sólida para a ordem de prisão em regime fechado expedida por Moraes.
Desde agosto passado, Bolsonaro vinha sendo monitorado permanentemente, tanto pela Polícia Federal (PF) como pelo sistema eletrônico. A prisão demonstra a eficácia do mecanismo: a tornozeleira acusou funcionamento anômalo na madrugada de sábado, o centro de monitoração comunicou o fato ao STF e Moraes pôde agir com base em um dado preciso e ao fim confessado. Sem esse sistema, decerto o mau comportamento de Bolsonaro poderia ter passado despercebido, abrindo perigosa margem para sua fuga.
A destruição do equipamento, comprovada por vídeo, ocorre a poucos dias do trânsito em julgado da Ação Penal 2.668, na qual Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, entre outros crimes. Após a certificação do fim do processo, será expedido o mandado de prisão para início do cumprimento da pena em regime inicialmente fechado. O momento, portanto, é eloquente. Bolsonaro sabia que sua situação penal se aproximava de um ponto decisivo e, ainda assim – ou talvez por isso – violou a medida cautelar que lhe permitia permanecer em casa.
Não é a primeira vez que Bolsonaro demonstra inclinação a se esquivar da aplicação da lei penal. Recorde-se que, entre os dias 12 e 14 de fevereiro de 2024, o ex-presidente passou duas noites na Embaixada da Hungria após uma operação da PF, que à época investigava sua participação na trama golpista. A entrada sorrateira numa representação diplomática, sem justificativa de Estado plausível, só pode ser compreendida como um ensaio de fuga. Esse histórico agora pesa. Um condenado que já buscou abrigo imotivado numa embaixada no meio da noite não pode pretender que o Judiciário ignore esse precedente ao avaliar o risco de evasão.
Também não é de ignorar a coincidência entre a violação da tornozeleira e a convocação, pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), de uma “vigília” no condomínio do pai, marcada para a noite do mesmo dia. Malgrado a responsabilidade pela dispersão de eventual aglomeração que atrapalhe a vigilância do local seja da polícia, não se pode condenar quem veja a combinação das atitudes de Bolsonaro e de seu primogênito como um movimento coreografado. Nesse sentido, não é irrazoável o entendimento da PF, da Procuradoria-Geral da República e de Moraes de que a tal “vigília” pudesse criar uma confusão que desse azo à fuga. A prevenção existe justamente para neutralizar a possibilidade de que o pior aconteça.
A decisão de manter o ex-presidente em sala de Estado na sede da PF em Brasília observa, ainda, sua frágil condição clínica. Moraes procedeu corretamente ao autorizar que a equipe médica que acompanha Bolsonaro tenha acesso irrestrito a ele, sem necessidade de autorização prévia do Supremo. Trata-se de medida a um só tempo prudente e coadunada com a legislação aplicável a presos em situação especial, como Bolsonaro.
A prisão preventiva de Bolsonaro, por todas as razões de fato e de direito que a consubstanciaram, não foi excessiva nem tampouco abusiva. Foi a resposta jurídica adequada a um quadro concreto de risco de fuga e reincidência. Por fim, o zelo na manutenção de Bolsonaro em sala especial à qual foi franqueado o acesso de médicos reafirma que o STF agiu com proporcionalidade, precisão técnica e respeito às garantias legais do condenado. Ao aplicar a lei com firmeza, mas sem arbitrariedades, a Justiça cumpre o papel que lhe cabe: assegurar que até mesmo um ex-presidente da República condenado por sedição responda por seus atos dentro das balizas do Estado de Direito.

