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quinta-feira, 21 de agosto de 2025
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Dívida recorde do agro abala Banco do Brasil; entenda o que está por trás

Publicado em 16/08/2025

Imagem: Arte UOL/IA

O agro não anda muito pop no BB.

O Banco do Brasil, principal financiador do agronegócio no país, registrou R$ 12,73
bilhões em atrasos de mais de 90 dias nos pagamentos do setor.

O desfalque puxou uma queda de 60% no lucro no segundo trimestre, segundo
dados divulgados na noite de anteontem.

“É o maior nível de inadimplência já visto no agro na história do Banco do Brasil”,
afirmou ontem a presidente do banco, Tarciana Medeiros.

Mais da metade das dívidas (52%) são de produtores do Sul e do Centro-Oeste.

Devendo na praça, o agro vem recorrendo cada vez mais às recuperações judiciais.

Dos R$ 12,73 bilhões devidos, R$ 2,27 bilhões são fruto de recuperações.

A crise para justificar os processos é atribuída a diversos fatores: pandemia, altos
juros, falta de financiamento acessível, entre outros.

Há outras questões, no entanto, que vêm escapando às análises macroeconômicas,
apurou o UOL: má-fé e fraude, com pedidos de recuperações judiciais que não se
enquadram na lei. Escritórios de advocacia oferecem esse tipo de serviço.

Advogados ouvidos pela reportagem alertam que é preciso separar o joio do trigo.

O assunto está no radar do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

No fim de maio, o ministro Mauro Campbell Marques, corregedor-nacional de
Justiça, abriu uma comissão especial “para o aprimoramento da atuação do Poder
Judiciário nos processos de recuperação judicial e falência de produtores rurais”.

O Banco do Brasil monitora hoje 808 clientes sob recuperação, num total de R$ 5,4
bilhões –parte do valor não entrou no balanço pois se refere a pagamentos cujo
vencimento ainda não ocorreu.

Imagem: Arte/UOL

‘Instrumento de barganha’

Desconto de 20% sobre as dívidas;

Carência de 2 anos para começar a pagar as dívidas;

Prazo de ao menos 10 anos para pagar todas as dívidas.

Isso é o que promete um escritório de advocacia de Goiânia que se define em seu
site como “a fortaleza jurídica do produtor rural”.

Os tópicos estão em um informativo do escritório que incentiva produtores rurais a
pedir recuperação judicial, dispositivo descrito como “instrumento de barganha”
para “blindar todo seu patrimônio de cobranças judiciais e arrestos”.

“Não importa o que as pessoas vão pensar de você se você optar pela
recuperação judicial. Se você tiver bem ou mal, vão falar mal de você da mesma
forma. A questão é que, se não for você para proteger o seu patrimônio, o seu
legado, que você recebeu de herança ou lutou a vida inteira para construir,
ninguém fará isso por você”

-Trecho do informativo “Na Defesa do Brasil que Produz”

Especialistas ouvidos pelo UOL dizem que isso é uma distorção da lei das
recuperações judiciais e, em certos casos, pode configurar fraude.

Recuperação judicial é um instrumento jurídico que deveria ser tratado como último
recurso antes de uma empresa precisar pedir falência.

O dispositivo permite congelar as cobranças de uma empresa por 180 dias (o
chamado “stay period”).

O objetivo é que, nesse período, a empresa consiga organizar as contas da casa,
pagar a quem deve e dar continuidade às suas atividades.

Não é, portanto, um dispositivo para blindar o patrimônio ou prolongar o pagamento
de dívidas por anos.

No entanto, a alta de pedidos de recuperação judicial no agronegócio indica que
propostas do tipo têm encontrado terreno fértil.

Segundo os últimos dados da Serasa Experian, divulgados no fim de julho, os
pedidos dispararam no primeiro trimestre de 2025: uma alta de 45% em relação ao
mesmo período de 2024.

“Muitos produtores enfrentam custos altos, prazos longos para receber, maior
exigência de garantias e dificuldades na rolagem de dívidas, fatores que
pressionam o caixa e reduzem as margens para manobras.”

-Marcelo Pimenta

Diretor de agronegócio da Serasa Experian

Imagem: Arte/UOL

‘Indústria de recuperações judiciais’

O advogado especialista Marcelo Winter, de São Paulo, observa uma tendência de
pedidos irregulares de recuperação no agronegócio.

Winter considera a prática “irresponsável e oportunista”, prejudicando todo o setor.

“Muitos dos pedidos atuais não refletem uma real situação de crise econômicofinanceira, mas sim estratégias protelatórias e por vezes pouco fundamentadas.
Essa prática indevida compromete a credibilidade do próprio instrumento da
recuperação judicial. Tal cenário tem gerado insegurança e afastado investidores
do setor.”

-Marcelo Winter
Advogado

A juíza Daniela Muller, presidente da Amatra 1 (Associação dos Magistrados da
Justiça do Trabalho da 1ª Região) do Rio, diz que a situação relatada “foge
totalmente do escopo da lei”.

“O empresário é o responsável pelos riscos do negócio —até porque é ele que
fica com o lucro, com os benefícios. O trabalhador precisa do salário para
sobrevivência. A lei de recuperações judiciais deveria servir exclusivamente para
reestruturação da empresa, para continuar existindo e gerando empregos dignos.
Não pode servir para dar descontos, ainda mais em questões trabalhistas. Nas
distorções, o que se faz é tentar livrar empresários de suas dívidas.”

-Daniela Muller
Juíza

Há relatos de que, nas últimas edições da Agrishow, feira agrícola de Ribeirão
Preto, advogados estavam abordando produtores rurais com orientações sobre
recuperações judiciais, inclusive sobre como ocultar patrimônios.

Segundo a imprensa especializada no setor, o diretor de agronegócio do Santander,
Carlos Aguiar, disse na Agrishow deste ano que o aumento de pedidos de
recuperação judicial no setor é preocupante, por envolver produtores atraídos por
promessas ilusórias de quem, segundo ele, lucra com a fragilidade alheia.

Aguiar se referiu, na ocasião, a uma “indústria” da recuperação no campo, “que
enriquece advogados enquanto empobrece o produtor”.

Os advogados autores da cartilha citada no início desta reportagem tomaram para
si a responsabilidade de responder.

Num reels do Instagram, gravado na época na frente de uma agência do Santander
e vestindo cinto de fivela, o advogado Leandro Marmo diz: “Tendo que recorrer à
medida extrema que é a recuperação judicial, é porque realmente não restou
nenhuma alternativa para que pudessem tentar continuar produzindo, gerando
emprego, sem ter o risco de perder seu patrimônio”.

Marmo é sócio do escritório João Domingos Advogados Associados, autor do
informativo.

O UOL procurou Marmo e Domingos.

O escritório afirmou que o documento não faz promessas. “Há, sim, um resumo dos
potenciais efeitos práticos da recuperação judicial, com base em jurisprudência
consolidada e na experiência real do escritório em dezenas de casos concretos”, diz
(leia a nota na íntegra).

O advogado Antonio Frange também tem, em seu site, uma página dedicada a
recuperações que lista, entre os “resultados esperados”, 70% de desconto nas
dívidas e prazo de até dez anos para pagamento delas.

O escritório, instalado em São Paulo e em Cuiabá, diz no site oficial que já atuou em
mais de mil casos.

O UOL procurou o escritório por email e por telefone, mas não teve resposta.

Caminhão com soja em Lucas do Norte, em Mato Grosso
Imagem: Paulo Whitaker/Reuters

Caso Safras

Um dos casos mais discutidos por advogados especialistas no agronegócio é
atualmente o Safras.

Prestes a perder uma fábrica em Cuiabá, o conglomerado mato-grossense pediu
recuperação apontando dívidas de R$ 2 bilhões, um passivo recorde no estado.

Winter considera que o caso é emblemático: a Justiça viu irregularidades no pedido,
como a falta de documentos e a inclusão indevida de produtores rurais que, na
verdade, não são produtores rurais. O processo foi suspenso.

“É um precedente importante: isso mostra para o mercado que não é qualquer
pedido que deve ser aceito”, diz.

Num comunicado à imprensa referente aos dados da Serasa Experian, o Sindiveg
(Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal) também
destacou que o “excesso” de pedidos pode abalar a confiança do mercado.

“O setor precisa encontrar um modelo de negócios sustentável”, diz a nota.

Um nicho que está se desenvolvendo nos últimos tempos é o das “agfintechs”, diz
Henrique Galvani, CEO da Arara Seed, plataforma de Ribeirão Preto especializada
em startups do agro.

“O agro precisa inovar no acesso ao mercado de capitais, como alternativa e
complemento ao Plano Safra. É a ponte entre o campo e a Faria Lima”, afirma.

*Com Informação do UOL/ Juliana Sayuri e Graciliano RochaDo UOL, em São Paulo

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