Atualizada em 24/04/2025 10:54
Cidades com menos de 3.000 habitantes espalhadas pelo interior do Brasil estão avançando na criação de cargos comissionados e chegam a ter estrutura de governo semelhante à de cidades maiores, ainda que dependam majoritariamente de recursos externos para sobreviver. As cidades ainda patinam na implementação de políticas de primeira necessidade, como saneamento básico.
Cedro do Abaeté (MG) tem 1.091 moradores e nove secretarias —1 para cada 121 habitantes. A renda média de seus trabalhadores formais fica na casa de 1,7 salário mínimo.
Os salários do prefeito José Filho (MDB), do vice, Helder Andrade (MDB), dos nove secretários e do chefe de gabinete custam R$ 860 mil ao ano, cifra que supera em mais de R$ 100 mil a arrecadação prevista para 2025 em impostos e taxas municipais (R$ 758 mil), segundo a Lei Orçamentária Anual (LOA).
Cenário semelhante vive Cachoeira de Goiás (GO), com 1.419 habitantes. Com 13º salário, vencimentos de agentes políticos somam quase R$ 1,1 milhão por ano —quase toda a arrecadação própria de 2024 (R$ 1,3 milhão).
A cidade goiana não oferece água tratada a todos e chegou a ser condenada no ano passado a garantir o fornecimento e a construir um sistema de esgoto.
Também sofre com saneamento Lajeado Grande (SC), 1.771 habitantes, que em 2023 criou um programa de incentivo a sistemas individuais de tratamento de esgoto.
Com 13º salário, prefeito, vice, seis secretários e uma assessora custam R$ 865 mil. O município prevê arrecadar R$ 1,2 milhão em impostos e taxas municipais neste ano.
Salários ainda mais altos são pagos ao gabinete de Santo Afonso (MT), com 2.460 habitantes estimados para 2024 e cuja rede de esgoto só estava ligada a 6% dos domicílios em 2022. O custo anual dos vencimentos do prefeito, do vice, dos secretários e do chefe de gabinete somam R$ 973 mil, superando os R$ 882 mil destinados ao saneamento segundo a LOA.
Em Amparo de São Francisco (SE), 61% da água produzida pelo sistema de captação é perdida. A cidade tem água para todos, mas não há rede de esgoto. Com 2.206 habitantes, o município gasta R$ 1,2 milhão anuais com salários de agentes políticos, enquanto a LOA prevê R$ 2 milhões em receita própria de impostos a 2025.
Apesar das diferenças socioeconômicas, é um organograma que difere pouco do que possui Botucatu (SP), cidade mais eficiente do Brasil segundo ranking da Folha que analisou aquelas que entregam mais iniciativas com menos recursos.
Com 150 mil habitantes, Botucatu gasta R$ 4,43 milhões anuais com 16 secretarias, prefeito, vice, assessor e secretário do prefeito –ou 2,63% dos R$ 168,3 milhões arrecadados em tributos e taxas municipais.
Um decreto-lei de 1969 condicionava a existência de secretarias a cidades paulistas com mais de 150 mil habitantes. A chamada Lei Orgânica dos Municípios de São Paulo deixou de ser cumprida com a Constituição, que deu ampla autonomia a municípios –a legislação estadual acabou revogada em definitivo em 2006.
Professor assistente de direito administrativo na PUC-SP, o advogado José Jerônimo Nogueira de Lima diz que é hora de o país retomar uma legislação do gênero —mas isso depende de emenda constitucional.
“O que temos hoje não se paga. São milhares de cidades, com formas distintas de gestão. É muito pulverizado, você não consegue racionalizar políticas e investimentos”, afirma. “É uma autonomia descontrolada”.
Mudanças devem ser feitas, diz, o que depende também de uma pauta suprapartidária.
“Você precisa de vontade política. Os prefeitos garantem votos aos deputados e aos senadores, que têm seus redutos eleitorais, o que dificulta qualquer debate sobre o tema.”
“Mexer nisso é mexer num vespeiro”, diz o advogado Gustavo Marinho, especialista em direito administrativo e financeiro pela Universidad de Salamanca, na Espanha e sócio do escritório Warde.
Para ele, uma reforma poderia incluir governanças conjuntas em municípios de pequeno porte. “Aí justificaria você ter salários um pouco maiores.”
Em nota, Cedro do Abaeté afirma que “os atuais valores dos vencimentos foram estabelecidos pela administração passada, que aprovou reajuste significativo a todos os cargos no Executivo, e não temos poder de decisão sobre isso, uma vez que valores foram fixados previamente”.
Já Lageado Grande disse que “os salários dos agentes políticos seguem parâmetros estabelecidos pela legislação, sendo fixados por lei municipal aprovada pelo Poder Legislativo, em conformidade com diretrizes constitucionais”.
Sobre o assessor de gabinete, disse que “o cargo tem especificações detalhadas e exige qualificações técnicas ao seu provimento, garantindo que suas atribuições sejam desempenhadas eficientemente”.
A gestão acrescenta que “tem se dedicado continuamente ao aprimoramento da gestão dos recursos, promovendo melhorias significativas para a população”.
A Folha procurou os demais municípios mencionados, mas não obteve retorno até a publicação deste texto.
[Folha Uol]