24.3 C
Rio Branco
quarta-feira, 26 de novembro de 2025
O RIO BRANCO
BrasilGeral

Analistas americanos sobre crise Brasil-EUA: ‘Vai piorar antes de melhorar’

Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump repercutem nas redes em “batalha de hashtags” impulsionada pelo PT – Imagem: Ricardo Stuckert/PR e Truth Social

Brasil e Estados Unidos vivem o pior momento de sua relação bilateral pelo menos
desde a redemocratização brasileira, há 40 anos. E a situação ainda deve piorar, antes
que comece a melhorar.

Eis um resumo do que disseram quatro brasilianistas norte-americanos à coluna sobre a
recente escalada de tensão entre as duas maiores democracias das Américas.

“Está claro que quando Donald Trump lança uma iniciativa como essa, esse é o começo
e não o fim desta história”, afirma Tom Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil e exsubsecretário de Estado para o Hemisfério Ocidental.

Shannon se refere à sequência de atos de Washington que atingiram o Brasil em julho.
No dia 9, Trump anunciou tarifas de 50% aos produtos do país. No dia 15, o
representante comercial dos EUA, USTR, na sigla em inglês, abriu investigação contra
o Brasil por supostas práticas desleais de comércio.

No dia 18, o Departamento de Estado impôs restrição de entrada nos EUA ao ministro
do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes e a “seus aliados na Corte”. Embora
o órgão diplomático não divulgue, a punição se estendeu a outros sete ministros do
STF e ao Procurador Geral da República Paulo Gonet, conforme apurou a coluna.

“Se por um lado este era um conflito que parecia fadado a acontecer, pelas posições
políticas dos presidentes, pelo choque cultural entre as diferenças de interpretação
sobre liberdade de expressão nos dois países e pelos aliados e desafetos de cada lado,
ainda assim surpreende ver Trump impor uma tarifa de 50% ao Brasil”, afirma Nick
Zimmerman, consultor da Dinámica Americas e ex-Diretor do Conselho de Segurança
Nacional da Casa Branca para Assuntos do Brasil e do Cone Sul.

Na prática, a cifra da taxação deve inviabilizar, ao menos temporariamente, cadeias
produtivas inteiras nos dois países. E essa não é a única surpresa na atitude.

“É verdade que Trump tem usado tarifas para todo tipo de fim diplomático e comercial,
contra aliados ou adversários. Mas o que ele fez com o Brasil é sem precedentes pelo
que exige. É a primeira vez que Trump quer que o Executivo de um país interfira no
funcionamento do Judiciário desse mesmo país”, diz Will Freeman, pesquisador de
América Latina do Council on Foreign Relations.

O aspecto que Freeman chama a atenção é o mesmo salientado pela revista britânica
The Economist em um artigo de opinião na semana passada.

O semanário argumenta que “desde o fim da Guerra Fria”, os EUA “raramente”
interferiram “tão profundamente” em um país latino-americano como Trump tem tentado
fazer com a taxa de 50% direcionadas ao Brasil.
Mas o que levou Trump a tal movimento?

Aqui, os especialistas divergem. “A causa 1,2,3 e 4 são o processo de Jair Bolsonaro e
os paralelos que Trump enxerga com a própria história dele. O Bolsonaro é um espelho
no qual o Trump se vê”, diz Brian Winter, vice-presidente executivo da Americas Society
e do Conselho das Américas.

Assim como Bolsonaro, Trump também desacreditou o processo eleitoral e acusou
fraudes sem provas. Ambos não aceitaram a derrota de seu projeto de reeleição e
radicalizaram suas bases, a ponto que uma massa de apoiadores insatisfeitos atacasse
o centro do poder em cada um dos países.

Nos EUA, foi no Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. No Brasil, na praça dos Três
Poderes, em 8 de janeiro de 2023. O que se seguiu para ambos foi o ocaso político e a
abertura de processos judiciais.

Nos EUA, esse procedimento demorou tempo a bastante para que Trump voltasse a
disputar e vencer uma eleição antes de um veredicto. Em seu primeiro dia no cargo, ele
anistiou integralmente todos os condenados pelos atos no Capitólio.

Já Bolsonaro parece fadado a um destino diferente, já que deve ir a julgamento até o
fim do ano.

Desde o dia 8 de julho, quando Trump postou pela primeira vez nas redes sociais uma
declaração que qualificava como “caça às bruxas” o processo judicial contra o expresidente brasileiro Jair Bolsonaro, ele próprio ou sua administração já repetiram a
ideia de perseguição política contra o aliado mais de uma dezena de vezes. Uma delas
na carta de tarifas, como justificativa à medida.

“Agora é 100% sobre Bolsonaro”, diz Shannon, que prossegue: “ele já colocou tarifa no
aço e não tem dificuldade em disparar ameaças aos BRICS, não acho que ele deixaria
de citar se fosse esse o caso”, afirma o embaixador dos EUA.

De fato, embora tenha imposto tarifas na China e ameaçado a Rússia com 100% de
taxa, em nenhum dos dois casos o BRICS foi seu motivador. Na semana passada, aliás,
Trump anunciou um acordo comercial com um dos novos integrantes do bloco, a
Indonésia, e as negociações com a Índia, membro original do grupo, estão avançando.

Para Zimmerman, porém, Jair Bolsonaro é apenas uma parte da história. “Não existe
uma motivação primordial, até porque o Trump muda de prioridades com constância”,
afirma o analista.

Ele continua: “Então vejo três razões centrais. Uma é a preocupação dele com a
regulação brasileira sobre as big techs, que são motores da economia americana, e o
quanto a legislação brasileira poderia servir de modelo para o que se fará no assunto
no restante do Sul Global. Outra é a questão da expansão dos BRICS e da
possibilidade de que isso represente uma substituição do dólar como moeda
internacional. E a última são as conexões dos mundos Trump e Bolsonaro, que são
muito estreitas e longevas e que dividem muitas narrativas”.

Brasil soberano e perspectiva de aumento da pressão de
Washington

Os quatro entrevistados afirmam que a resposta do Brasil deve ser “soberana”, mesmo
diante do risco de escalada do conflito.

“Algumas das demandas do lado americano, o Brasil não pode e nem deve entregar.
Lula tem ganhado dividendos políticos e está firme que quer negociar mas não vai
ceder. Será um caminho difícil para os dois países, ainda pode escalar mais”, afirma
Zimmeman.

Ele alerta porém que, embora haja ganhos de popularidade para Lula agora, a extensão
e a intensidade da briga podem causar danos ao governo. “A eleição de 2026 está
longe. Se o governo Lula optar pela briga de modo exagerado e a economia brasileira
sofrer demais, Lula passa a assumir parte da culpa pelo problema”, diz Zimmerman.

O presidente brasileiro foi categórico em dizer que a soberania nacional e a
independência do Judiciário não estarão na mesa, mas que o Brasil quer negociar
comercialmente.

Mas Trump não designou até agora um negociador nem determinou o início de uma
discussão com o Brasil. À coluna, um oficial sênior da gestão Trump afirmou que “o
Itamaraty minimizou as preocupações de Washington com Bolsonaro” e a Casa Branca
disse que o país não mostrou nada “significativo” para que uma negociação se
iniciasse.

“O Brasil está pronto para negociar, mas não existe nenhum interlocutor com quem o
país possa ter conversas significativas agora. Trump crê que conseguirá forçar o Brasil
a recuar no caso Bolsonaro. Não irá conseguir atingir seu objetivo, mas até a Casa
Branca se convencer disso, a grande perdedora será a relação bilateral”, diz Shannon,
para quem, até agora, a resposta do Itamaraty foi “óbvia” ao “não se curvar”.

A expectativa dos analistas é que Washington intensifique a pressão sobre Brasília.

“A Casa Branca tem condição de planejar ações retaliatórias a outros países que nem
temos como imaginar. Ainda deve escalar nos próximos dias”, afirma Winter, para quem
este é possivelmente o pior momento da relação bilateral de 200 anos.

A experiência do segundo mandato tem mostrado a Trump que ele tende a obter
resultados positivos quando usa força desproporcional em disputas assimétricas, como
que tem travado com países da América Latina.

“Trump espera, e provavelmente neste caso ele está errado, que os países latinos muito
rapidamente se dobrem a suas vontades e demandas. Logo depois de sua posse,
perguntado sobre a região, ele disse: ‘Não precisamos deles, eles que precisam de
nós’. E esse é o modelo mental dele para a região e até agora o que aconteceu
confirmou isso para ele”, diz Freeman.

Ele cita três exemplos: Panamá, Colômbia e México.

Diante das ameaças de Trump da tomada do Canal do Panamá, o país retirou os
chineses da administração do local, concedeu condições especiais a navios do governo
americano e aceitou receber deportados de terceiros países.

Já a Colômbia tentou resistir à repatriação de cidadãos em aviões militares, se viu
diante de todos os tipos de tarifas e sanções que forçaram o presidente Petro a recuar
em menos de 24 horas.

Com tons menos humilhantes, a presidente do México, Claudia Scheinbaum, também
tem sido constrangida a ceder a demandas de Trump sobre aumento da segurança na
fronteira e deportações, sob ameaça constante de novas tarifas.

Influência de Eduardo Bolsonaro

“Trump certamente não é um presidente que acorda todos os dias pensando na América
Latina. Então é definitivamente alarmante ver como Eduardo Bolsonaro alcançou o
círculo íntimo do presidente e foi capaz de estabelecer essa agenda em sua cabeça”,
diz Freeman.

Ele se refere à campanha do deputado federal do PL-SP que, em dupla com o
comentarista político Paulo Figueiredo, trabalhou nos últimos meses em Washington
para convencer congressistas e integrantes da gestão Trump de que o ex-presidente
brasileiro seria vítima de uma perseguição política e de que os EUA deveriam acionar
seu ferramental de tarifas e sanções para forçar o Brasil a conceder anistia a Bolsonaro
e seus aliados.

Segundo Shannon, porém, essa influência não deveria surpreender, já que Eduardo
investe há quase dez anos na relação com Trump e a direita populista que ele lidera.

“Eduardo estava em Washington no 6 de janeiro, trocou com Bannon inúmeras
impressões e táticas para o sucesso do projeto político nos dois países”, diz Shannon.
Além disso, Bolsonaro foi um dos raros líderes globais a ecoar as acusações de fraude
eleitoral americanas e a seguir apoiando Trump após a derrota —ainda que isso lhe
custasse uma relação fria e distante com o novo mandatário dos EUA, Joe Biden.

Nick Zimmerman, porém, sugere que tudo isso teria sido mais difícil se “Eduardo
Bolsonaro não fosse a única presença constante brasileira nos últimos meses em
Washington”.

Segundo ele, “o governo Lula se ausentou do país antes mesmo do fim da gestão
Biden”. Os dois lados se frustraram um com o outro: do lado brasileiro, as promessas
ambientais grandiosas de Biden jamais se concretizaram e foram vistas como jogada de
marketing do democrata.

Do lado americano, o posicionamento de Lula sobre a guerra na Ucrânia, em confronto
com a visão dos democratas, não foi bem absorvida.

“Certamente teria sido bom o Brasil ter tido mais contatos numa situação de crise como
essa, mas nunca é tarde para abrir o diálogo e eventualmente os dois lados terão que
encontrar uma saída”, diz Winter.

Brasil: mais longe dos EUA, mais perto da China

No mesmo dia em que Trump postou pela primeira vez sobre haver uma “caça às
bruxas” contra Bolsonaro, Brasil e China fecharam acordo para a construção conjunta
da ferrovia transoceânica, que conectará a Costa baiana ao litoral do Peru.

Embora o timing seja uma mera coincidência, não deixa de ser simbólico que o dia 8 de
julho tenha explicitado uma clara distância do Brasil aos EUA e uma proximidade tão
relevante com a China. Adversários globais, os americanos são o segundo maior
parceiro comercial do Brasil, os chineses, o primeiro.

“Vejo o governo Lula tentando evitar de ter que escolher um lado entre a China e os
EUA e fazendo seu melhor para se equilibrar entre eles e buscando novos parceiros,
como Índia, Vietnã, União Europeia. Mas desde que o Lula se viu no radar de Trump,
ele parece mais aberto a estabelecer laços mais fortes com a China do que antes. Está
ficando claro que ele vê os EUA mais como uma ameaça ao Brasil e que talvez neste
momento não haja outra opção que não se aproximar da China”, diz Freeman.

Já Shannon afirma que o Brasil historicamente manteve uma posição bastante
“sofisticada” de não-alinhamento a nenhuma das duas potências. E que a nova situação
apresenta um desafio para que o país não perca essa linha de atuação.

Críticos do presidente Lula o acusam de ser ideologicamente antiamericano em sua
política externa e a situação atual poderia reforçar o coro de quem enxerga a situação
por esse prisma. Ideia que Brian Winter rechaça.

“Eu continuo achando que o Lula não é antiamericano e que o Brasil se beneficia de um mundo multipolar”, diz Winter, para quem a situação poderá reforçar a presença do Brasil no restante da América Latina, na Europa e na Ásia.

*Com informação do UOL

Compartilhe:

Artigos Relacionados

Opinião: A República rasa do parlamentarismo orçamentário…

Jamile Romano

Seca severa

Raimundo Souza

PGR se manifesta contra devolução de passaporte de Bolsonaro

Marcio Nunes

Acre entra em alerta por chuvas fortes e ventos de até 60 km/h a partir desta segunda-feira

Kevin Souza

Caixa paga Bolsa Família a beneficiários com NIS de final 7

Redacao

“Pandemia” de bets avançou mais rápido que surto da covid-19 no Brasil

Raimundo Souza