Atualizada em 27/04/2025 07:26
Fachada do prédio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) no viaduto Santa Ifigênia, região central de São Paulo – Zanone Fraissat – 8.jan.24/Folhapress
Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”
Pegaram os aposentados, instituto e ministério fizeram nada, e reação tardia do governo foi puramente marqueteira
As últimas grandes roubalheiras nacionais, o “mensalão” e o “petrolão”, gravitavam em torno do dinheiro da Viúva e, de certa forma, ocorriam no andar de cima. Já a fraude da rede varejista Americanas poupava a Viúva, mas era coisa de maganos. Desta vez, graças à Controladoria-Geral da União e à Polícia Federal, descobriu-se que quadrilhas aninhadas em 11 entidades estavam roubando os aposentados do INSS.
Todo mês, tungavam coisa de R$ 50 de milhões de aposentados, gente que recebe, na média, R$ 4.000. As quadrilhas conseguiram do INSS os dados pessoais das vítimas e fraudaram autorizações para os descontos.
A roubalheira contra os aposentados do andar de baixo envolveu um ervanário que vai a R$ 6,3 bilhões, mas só o prosseguimento das investigações chegará ao montante exato da tunga. Uma auditoria feita pelo TCU nas contas de um só ano já estimou o desvio em R$ 1,55 bilhão.
Uma pesquisa feita pela CGU junto de 1.300 aposentados mostrou que 97% não haviam autorizado os descontos. Mais: 70% de 29 entidades investigadas haviam sido credenciadas pelo INSS sem apresentar a devida documentação.
Num primeiro lance, na quarta-feira, 700 policiais federais e 60 servidores do INSS cumpriram 211 mandados de busca e apreensão em 13 estados e Brasília, prenderam três pessoas e sequestraram mais de R$ 1 bilhão em bens e dinheiro, inclusive uma Ferrari e um Porsche. Fala-se até num Rolls-Royce. Para felicidade geral, o diretor da PF, Andrei Passos Rodrigues, anunciou que a operação da semana passada é apenas “uma investigação que está no seu começo”.
A reação (tardia) do governo foi puramente marqueteira, arruinada pelo desassombro do ministro da Previdência, doutor Carlos Lupi. Naquela manhã, ele garantiu, durante uma entrevista coletiva: “A indicação do doutor Stefanutto é da minha inteira responsabilidade”. Alessandro Stefanutto, presidente do INSS, foi demitido horas depois.
Lula e Lupi são adultos e sabem o que estão fazendo. Há anos tratam do INSS com a opção preferencial pela empulhação. Lupi prometeu zerar a fila da Previdência até o final de 2023 e hoje ela já passou os 2 milhões de vítimas.
A coletiva dos ministros destinava-se a mostrar que haviam sido desbaratadas quadrilhas cevadas pelo governo anterior. Pelas cifras e pelas datas, a história parece ser outra.
Durante o governo de Jair Bolsonaro, a tunga passou de R$ 604 milhões para R$ 706,2 milhões. Com Lula 3.0 ela pulou de R$ 1,3 bilhão para R$ 2,6 bilhões. A repórter Maria Cristina Fernandes mostrou que, em agosto de 2023, já haviam chegado à Câmara dos Deputados denúncias de descontos indevidos e o deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE) alertou o Tribunal de Contas da União. Portanto, em agosto de 2023 o governo soube que os aposentados estavam sendo roubados.
Entre 2023 e abril de 2025, o INSS e o Ministério da Previdência fizeram coisa nenhuma. Suspenderam os repasses para logo depois retomá-los. A Dataprev recomendou que se usasse a biometria para registrar a autorização dos descontos. Não foi ouvida.
Dona Josefa e a Ambec
Entre a manhã e a tarde de quarta-feira, o governo simulou uma ação coordenada para proteger os aposentados que vinham sendo roubados. Mostrou alguma surpresa e informou que pretende ajudar no ressarcimento dos lesados. Fica combinado assim.
Em dezembro de 2023, o repórter Luiz Vassallo publicou o caso de Josefa Brito, de 74 anos, moradora no extremo sul de São Paulo. Ela brigava na Justiça para receber de volta seu dinheiro, tungado pela Ambec.
Tomavam-lhe R$ 45 a cada mês.
Ela contou: “Eu procurei a Justiça porque eu fui ao INSS e me mostraram lá que a Ambec estava descontando. É pouco, mas me faz falta. E eu não autorizei desconto nenhum. Como que pode descontar na sua aposentadoria uma coisa que você não autoriza? O aposentado ganha pouco, não dá nem para comprar medicamento.”
Josefa estava num grupo de 600 pessoas que processava a Ambec. Àquela altura, corriam 2.300 ações contra a entidade.
A Ambec atende pelo bonito nome de Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos. Segundo o TCU, em dezembro de 2021, ela tinha três associados, dois anos depois (governo Lula 3.0) eles eram 600 mil e sua arrecadação ficou em R$ 91 milhões.
A CGU listou o empresário Maurício Camisotti como “figura central” da Ambec. Só o prosseguimento da investigação poderá detalhar suas conexões com a rede de negócios da entidade. Por enquanto, sabe-se que seis parentes seus estavam na Ambec ou tinham tratos com ela.
O juiz Massimo Palazzolo, da 4ª Vara Criminal Federal de São Paulo, viu “fundadas razões” para suspender suas operações com o INSS e bloquear até R$ 174 milhões da entidade e de outras quatro empresas que com ela operavam.
O irmão de Lula no Sindnapi
As quadrilhas que tungavam os aposentados tiveram a ajuda da inércia de um braço do governo e do acesso aos dados pessoais das vítimas. Horas depois da ruinosa fala do ministro Lupi, veio outra surpresa: José Ferreira da Silva, o Frei Chico, irmão mais velho de Lula, de 83 anos, é o vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos do Brasil (Sindnapi), uma das entidades listadas na investigação.
Lula teve pelo menos 17 irmãos (7 do casamento de Lindu, sua mãe) e já completou dez anos como presidente do Brasil. Todos seus irmãos viveram ou vivem modestamente.
Foi Frei Chico quem o atraiu para a vida sindical, da qual catapultou-se para a política. Como vice-presidente do Sindnapi, acima dele só está Milton Baptista de Souza Filho, conhecido como Milton Cavalo, nomeado por Carlos Lupi há duas semanas para o Conselho Nacional da Previdência Social.
O comissariado de Lula 3.0 vive assombrado pela reforma trabalhista de Michel Temer feita em 2017. Ela desossou as finanças dos sindicatos ao extinguir o imposto sindical, pelo qual o trabalhador contribuía com um dia de salário a cada ano. Desde então, a máquina sindical busca arrecadar por meio do que chamam de “contribuição”. O Supremo Tribunal considerou constitucional o desconto desse mimo na folha de pagamento dos trabalhadores, sindicalizados ou não. Seria uma remuneração por serviços prestados pelos sindicatos. Como há sindicatos que não prestam serviço algum, legalizaram-se centenas de tungas coletivas.
No caso da roubalheira contra os aposentados, as quadrilhas foram direto ao crime, fraudando até mesmo as assinaturas das vítimas.
Ócio
Nos próximos quatro domingos o signatário fará o que fizeram o Ministério da Previdência e o INSS enquanto o dinheiro dos aposentados era roubado: nada.
*Com informação da Folha de São Paulo