27.3 C
Rio Branco
domingo, 28 de dezembro de 2025
O RIO BRANCO
BrasilGeral

De postos de gasolina a fintechs: como o crime se infiltrou no dia a dia dos negócios no Brasil

Publicado em 28/12/2025

Carbono Oculto: maior operação da história, com centenas de empresas e o coração financeiro do País envolvidos Foto: Werther Santana/ESTADÃO CONTEÚDO

As maiores investigações, em termos de movimentações financeiras, envolveram da padaria e do posto da esquina ao pequeno investidor, passando por varejo, atacado e distribuição; tabelas mostram que a presença do crime na vida do cidadão comum é real

Por Cristiane Barbieri | ESTADÃO

Chegou ao cidadão comum. Foi essa a sensação que os brasileiros tiveram ao se deparar com operações de Polícia FederalMinistério PúblicoReceita Federal e outras autoridades, que colocaram no centro de grandes investigações o posto de gasolina, a padaria da esquina, motéis, pequenos varejos e até mesmo aplicações financeiras e gestoras de investimento. Mais do que uma impressão, o fato de que o crime está mais próximo do mundo dos negócios pode ser visto nas tabelas abaixo.

“Foi um ano de virada”, diz Paulo Henrique Carnaúba, professor do programa avançado de finanças do Insper. Até pouco tempo atrás, as grandes investigações voltavam-se mais a tráfico de drogas, corrupção e sonegação. “Agora, elas estão mais próximas do cotidiano do grande público.”

Para os especialistas, há alguns motivos por trás desse movimento. Um deles, diz Cleveland Prates, professor de economia da FGVLaw, é a necessidade de arrecadação federal, que tem investido em combate a brechas de evasão fiscal com mais afinco. Na lista dos inquéritos policiais da PF em andamento por tipos de crime, há mais de 3 mil que envolvem sonegação, supressão de tributos por meio de fraude, omissão ou declarações falsas.

Outro fator, afirma Carnaúba, é o período de aprendizagem das autoridades, entre o mergulho nas investigações e o entendimento dos crimes, necessário para detonar então buscas, prisões e apreensões. “Todo fraudador tem de ter oportunidade e sensação de impunidade para praticar a fraude”, afirma. “Como há um delay de aprendizado das autoridades, esses crimes ganharam proporção muito grande.”

Até o dia 15 de dezembro, foram feitas 3.310 operações da Polícia Federal, com R$ 9,6 bilhões em ativos apreendidos, quase 60% a mais do que em 2024. Mas é nas maiores operações detonadas este ano que os padrões como os descritos por Carnaúba se repetem.

No caso das operações Carbono OcultoQuasar e Tank, que foram deflagradas simultaneamente, por exemplo, havia 268 empresas ligadas diretamente ao esquema. Os alvos das operações eram sócios em pelo menos 251 postos de combustíveis, em quatro Estados. Foram usados 60 motéis para lavar R$ 450 milhões, entre 2020 e 2024.

Apenas o “cabeça” da organização tinha ligação com cerca de 100 companhias diferentes. Outro contador investigado representava 941 empresas junto à Receita Federal. A organização criminosa controlava mais de 40 fundos de investimento (com patrimônio estimado em R$ 30 bilhões).

Embora cada operação tenha revelado movimentações bilionárias em suas respectivas frentes, a soma dos valores e a extensão do esquema indicam que os grupos criminosos movimentaram, no total, aproximadamente R$ 140 bilhões de forma ilícita.

A segunda operação em termos de volume financeiro, a Compliance Zero, investigou a fraude praticada pelo Banco Master, segundo denúncia do Banco Central (BC), que movimentou R$ 12,2 bilhões em carteiras de crédito inexistentes. Também envolveu pelo menos 1,6 milhão de pequenos investidores. Esse é o número de pessoas que receberá de volta os recursos aplicados na instituição, por meio do Fundo Garantidor de Créditos (FGC). O desembolso total será de cerca de R$ 41 bilhões.

As outras operações que não se tornaram tão famosas, mas que estão entre as maiores em movimentação financeira, envolveram varejistas, atacadistas e distribuidoras. Também outras frentes do setor financeiro.

Em outubro, a Operação Bóreas mirou um esquema de sonegação tributária estruturada no setor de ar condicionados, com empresas de fachada e subfaturamento em importações. Exótico, mas com estimativa de sonegação de R$ 400 milhões e bloqueio de R$ 800 milhões.

Deflagrada em 16 de dezembro, a Operação Opções Binárias, da PF, investiga a operação de plataformas digitais falsas, com promessas de lucros garantidos no mercado de “opções binárias” e criptoativos para atrair pequenos investidores. A movimentação investigada ultrapassa R$ 1,2 bilhão.

Em menor escala, também há diferentes operações que envolvem o varejo. Num dos casos, em âmbito estadual, a Operação Ambiente 186 investigou supermercados e atacadistas utilizavam “empresas noteiras” (companhias de papel que existem apenas para emitir notas fiscais) que simulam créditos de imposto e reduzem ilegalmente o valor a pagar ao Estado de Minas Gerais. O nome faz referência ao prejuízo estimado de R$ 186 milhões causado ao erário mineiro.

Gato e rato

Essa avalanche de operações permitiu identificar diferentes falhas em legislações e regramentos e algumas iniciativas já foram adotadas para corrigi-las. Entre elas, a aprovação da legislação do devedor contumaz, que estava parada no Congresso havia oito anos.

Também a instrução normativa publicada pela Receita Federal que obriga todos os fundos de investimento a identificar o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) dos cotistas finais, a partir de janeiro. Apenas a Receita Federal e autoridades com respaldo legal (como o Ministério Público e a Polícia Federal em investigações) terão acesso a esses dados.

Ainda é preciso repensar, dizem eles, mecanismos de incentivos a eventuais fraudes, como a que aconteceu no Banco Master. Como os concedidos a plataformas para venderem investimentos que têm por garantia o uso do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).

Para Prates, que estuda lavagem de dinheiro há mais de 20 anos, é preciso ter cuidado para não criminalizar as fintechs, que permitiram a universalização dos serviços bancários e trouxeram competição ao setor. Porém, havia brechas que os malfeitores são especialistas em encontrar — e o importante é fechá-las.

Os especialistas afirmam que, historicamente, sempre que as falhas na legislação são combatidas, outras brechas são encontradas pelos criminosos. Por isso, dizem, é importante fortalecer sistemas de controle, como Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que cuidam do mercado financeiro e de capitais, respectivamente, entre outras.

Também desenvolver expertise em combate a fraudes no judiciário. “Vejo boa vontade em apurar e aplicar lei de forma rigorosa, mas não é possível depender de advogados dos lesados para as denúncias”, diz Carnaúba. “É preciso ter um amplo movimento de treinamento no combate às fraudes, principalmente financeiras, na Justiça.”

Além disso, dizem eles, não cabe apenas ao poder público combater fraudes e crimes. “Vimos fundos de pensão públicos investindo em CDBs do Banco Master que tinham zero governança, apesar de haver regras específicas da autoridade reguladora para isso”, diz Prates.

Carnaúba, que atua em investigação de fraudes (conhecido no jargão como forensics), diz ser comum que os departamentos especializados em governança e compliance (conformidade com o cumprimento de regras) não tenham especialistas nessa área.

É algo que dificilmente encontra demanda, dentro das próprias empresas. “Os criminosos avançam no Brasil pela falta de governança e de expertise em contrainteligência no combate às fraudes”, afirma. “No fundo, o brasileiro é ingênuo.”

Compartilhe:

Artigos Relacionados

Governo federal autoriza envio da Força Nacional a Rondônia

Marcio Nunes

Governo do Acre antecipa ponto facultativo da Revolução Acreana para o dia 4 de agosto

Raimundo Souza

Sesacre recomenda que população volte a usar máscaras após aumento de casos de Covid-19

Jamile Romano

NOTA PÚBLICA – CASO MOISÉS ALENCASTRO

Kevin Souza

Festas juninas 2025: temporada começa no fim do mês de junho

Raimundo Souza

Silvio Santos deixou fortuna de R$ 6,4 bilhões, dizem herdeiras à Justiça

Raimundo Souza