Lula e Trump se encontrarão na Malásia
Imagem: 7.set.25 – Evaristo Sá/AFP e 26.ago.19 – Ludovic Marin/AFP
(Por Mariana Sanches Colunista do UOL, em Washington D.C)
Quando se encontrarem em Kuala Lumpur, na Malásia, no próximo domingo, os
presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e dos Estados Unidos, Donald Trump,
devem anunciar avanços na relação bilateral, ainda que pontuais.
Do lado norte-americano, a expectativa é que o “gesto de boa vontade” seja uma
suspensão temporária das tarifas de 40% sobre o Brasil (em vigor desde 6 de agosto),
ao menos enquanto os dois países negociam. Também há chance de aumentar a lista
de exceções à sobretaxa, para incluir itens como café ou carne.
Do lado brasileiro, o mais provável é o anúncio de intenções de compras ou
investimentos bilionários nos EUA por parte de gigantes do PIB nacional, como Embraer
e JBS. Esta é a aposta de diplomatas do Brasil com conhecimento da preparação para
a reunião, ouvidos reservadamente pela reportagem.
Depois do abraço entre os presidentes nos bastidores da Assembleia Geral da ONU,
em 23 de setembro, os profissionais da diplomacia diziam que uma reunião bilateral
formal entre os dois líderes dependeria essencialmente de duas coisas.
A primeira: coreografar bem a cena e evitar que a distensão oferecida por Trump, após
quase três meses da pior crise em mais de 200 anos de relação entre os dois países,
fosse na verdade um convite para uma emboscada.
A segunda: a necessidade de um mínimo de concordância entre os dois líderes e a
disposição de anunciar concretamente algo que impulsionasse uma agenda positiva
para a nova fase da relação.
No primeiro caso, a referência negativa eram as cenas constrangedoras no salão oval a
que foram submetidos os presidentes da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e da África do
Sul, Cyril Ramaphosa.
Zelensky foi desqualificado como ingrato e ilegítimo enquanto pedia ajuda bélica ao seu
país, em guerra com a Rússia.
Ramaphosa foi confrontado com a exibição de vídeos que o governo sul-africano
qualifica como fake news.
Imediatamente após o abraço entre Lula e Trump, o risco de emboscada foi mencionado
à coluna até por diplomatas americanos. Em que pese a cautela que define a atual
gestão do Itamaraty, os diplomatas ouvidos concordam que o risco foi bastante
afastado.
Território neutro e contatos prévios diminuem receio
brasileiro
A Malásia, para começar, é um território neutro, em que nenhum dos dois líderes
poderia projetar poder sobre o outro e a condição de ambos seria simétrica. Além disso,
a exposição do encontro à imprensa deve ser consideravelmente menor do que seria no
Salão Oval da Casa Branca.
Por fim, os diplomatas argumentam que os canais foram suficientemente testados e que
não haveria ganhos objetivos a Trump de tentar fazer um show na presença de Lula.
Do abraço em NY ao encontro na Malásia
Depois do abraço em Nova York, ambos se falaram por telefone no dia 6, repetindo
o bom clima e a “ótima química”.
Três dias mais tarde, conforme designado por Trump, o secretário de Estado Marco
Rubio telefonou para o chanceler Mauro Vieira e o convidou para uma reunião em
Washington, que aconteceria uma semana mais tarde.
No encontro na capital americana, os chefes da diplomacia discutiram a sós questões
políticas, e combinaram de manter o canal direto e discreto, enquanto trabalham para
normalizar a relação comercial. Assim, eventuais diferenças de cunho políticoideológico não contaminariam a normalização da relação comercial dos dois países.
O conjunto de interações cordiais no último mês e o esforço de aproximação —feito
sobretudo pela Casa Branca— tem levado o governo brasileiro a interpretar que
atualmente Trump está convencido de que pode ganhar mais na negociação do que na
briga com o Brasil.
Suspensão de sobretaxas depende exclusivamente de Trump
Neste cenário, diplomatas afirmam ser “provável” ou “esperado” que os dois líderes se
acertem a ponto de anunciar medidas concretas. No telefonema com o republicano,
Lula pediu claramente que a sobretaxa fosse suspensa —recado depois repetido por
Vieira a Rubio.
Integrantes da administração Trump são categóricos em dizer que a alteração no
tarifaço sobre o Brasil depende exclusivamente da decisão pessoal de Trump. A
expectativa é que no tête-à-tête com Lula, de quem ele já afirmou ter gostado, o
republicano se sinta encorajado a suspender a sobretaxa contra o Brasil.
Contatos pessoais e conexões de personalidades são particularmente valorizados por
Trump. O movimento de suspensão de taxas já foi feito antes por ele para dar tempo a
negociações.
Após atuação nos EUA, Joesley vai para Ásia com Lula
A suspensão de taxas também atenderia, ao menos em parte, a demanda de
empresários que interpelaram a Casa Branca por negociações ao tarifaço. O pleito
parece ter movido Trump, de acordo com diplomatas americanos.
Joesley atuou em parceria com o governo brasileiro na crise com os EUA e interpelou o
embaixador norte-americano Richard Grenell, enviado presidencial de Trump na
América Latina, que ajudou a desatar o nó diplomático. Agora, os irmãos Batista
acompanham Lula no giro pela Ásia que incluirá a conversa presencial com o
presidente americano.
Um dos mais relevantes a fazê-lo foi Joesley Batista, da gigante global de processamento de carne JBS que, no início de setembro, esteve com o presidente norte-americano na Casa Branca.
Joesley atuou em parceria com o governo brasileiro na crise com os EUA e interpelou o embaixador norte-americano Richard Grenell, enviado presidencial de Trump na América Latina, que ajudou a desatar o nó diplomático. Agora, os irmãos Batista acompanham Lula no giro pela Ásia que incluirá a conversa presencial com o presidente americano.
Preço da carne nos EUA pode impactar tarifas sobre o Brasil
A carne seria uma das possíveis beneficiárias de uma suspensão de tarifas por setor,
caso Trump não queira pausar a sobretaxa para todos os cerca de 60% de produtos
brasileiros exportados aos EUA atualmente atingidos pela medida.
O presidente americano chegou a dizer que pretendia levar aos EUA proteína bovina da
Argentina para tentar derrubar o preço nos supermercados. Na última quarta-feira, ele
mencionou o tarifaço sobre a carne brasileira como justificativa para pecuaristas norteamericanos estarem se saindo bem comercialmente.
“Os pecuaristas, que eu amo, não entendem que a única razão para eles estarem indo
tão bem pela primeira vez em décadas é porque eu impus tarifas sobre o gado [carne]
que entra nos Estados Unidos, incluindo uma tarifa de 50% sobre o Brasil”, escreveu o
republicano em sua rede Truth Social. “Se não fosse por mim, eles [pecuaristas]
estariam exatamente na mesma situação dos últimos 20 anos —terrível!”, escreveu
Trump.
Se tivesse parado por aí, a declaração de Trump poderia ser lida como um sinal de que
as tarifas contra a carne do Brasil permanecerão. Mas ele continuou: “Seria bom se eles
[pecuaristas] entendessem isso, mas eles também precisam reduzir os preços, porque o
consumidor também é um fator muito importante na minha opinião!”.
A inflação é uma questão central para o governo Trump e readmitir a carne do Brasil
sem tarifas poderia ajudar a derrubar o preço.
Trump enfrenta críticas de pecuaristas e produtores de soja pelo incentivo bilionário que
deu recentemente à Argentina, presidida pelo aliado Javier Milei. A medida veio no
momento em que norte-americanos enfrentam dificuldades com a China, que passou a
comprar da produção agropecuária de Brasil e Argentina. O tema, aliás, foi brevemente
mencionado na reunião ampliada entre Rubio e Vieira.
De acordo com um embaixador brasileiro ciente das negociações, como as conversas
evoluíram muito rapidamente para o encontro entre os líderes, não há certeza sobre o
que Trump está disposto a oferecer ao Brasil.
Como não houve reciprocidade do Brasil à série de medidas impostas desde julho
(tarifaço, restrições de visto e sanções financeiras a autoridades), a Casa Branca
considera que há margem para Trump fazer alguma concessão sem fragilizar sua
posição negociadora.
O que o Brasil tem a oferecer? Na lista, há US$ 40 bilhões da
Embraer
Do lado do Brasil, os negociadores afirmam que não houve tempo hábil para fazer as
costuras políticas necessárias para reduzir as tarifas brasileiras ao etanol dos EUA,
demanda antiga e conhecida dos norte-americanos. O mercado é protegido
especialmente para contemplar os usineiros do Nordeste, base eleitoral de Lula, e que
seriam mais duramente afetados pela concorrência do produto de milho norteamericano.
A questão da regulação das big techs e da mineração de terras raras, dois pontos
centrais para os EUA, são complexos porque passam por marcos técnicos e passos no
Congresso e no Judiciário. Há pouco que o governo brasileiro possa entregar
efetivamente nos dois temas.
No caso da gigantes de tecnologia, o governo poderia sinalizar contra uma eventual
cobrança de taxa da Anatel pelo uso da infraestrutura de redes do Brasil. Quanto às
terras raras, o Brasil trabalha num arcabouço para a exploração e beneficiamento.
Diplomatas que acompanham as negociações tarifárias dos EUA com outros países
notam que, além de aberturas de mercados estrangeiros, Trump se satisfaz com planos
de investimentos de outros países nos EUA, em consonância com as promessas de
campanha, de promover uma reindustrialização da economia americana.
Foi assim com o Japão, que trocou tarifas reduzidas a seus produtos, incluindo 15% a
automóveis japoneses, por um pacote de investimentos e empréstimos de US$ 550
bilhões. Já a Coreia do Sul teria concordado em fazer US $350 bilhões em
investimentos nos EUA em troca de uma redução de 25% para 15% em tarifas. Meses
mais tarde, a Coreia disse que não teria condições financeiras de cumprir o acordo.
No caso do Brasil, os números seriam mais modestos.
Ainda assim, negociadores brasileiros apostam que Trump se interessaria pela intenção
da Embraer de comprar peças de fornecedores norte-americanos no patamar de mais
de US$ 40 bilhões nos próximos dez anos. A cifra seria ainda mais interessante, já que
o setor da indústria de aeronáutica civil é considerado estratégico.
A parte brasileira do CEO Fórum Brasil-EUA, que congrega 12 CEOs de empresas de cada país, estima que num prazo entre três e cinco anos, as empresas brasileiras investirão cerca de US$ 7 bilhões nos EUA.

