24.3 C
Rio Branco
quarta-feira, 26 de novembro de 2025
O RIO BRANCO
BrasilGeral

Os bastidores no STF às vésperas do julgamento histórico de Bolsonaro

(Montagem com fotos de Gustavo Moreno/STF; Andressa Anholete/Getty Images; Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Por Laryssa Borges/VEJA

Sessões das duas próximas semanas podem terminar com a condenação do ex-presidente à prisão por conspirar contra a democracia

O ministro Alexandre de Moraes mal havia desembarcado em Paris quando viu
pelas redes sociais do filho que as primeiras barreiras de contenção da
Esplanada dos Ministérios não resistiram aos manifestantes que avançavam
em direção à Praça dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023. Uma das
primeiras autoridades a chegar ao local, o então ministro da Justiça, Flávio
Dino, viu de perto as cenas mais chocantes da invasão do Palácio do Planalto,
do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. De Dubai, onde descansava,
Luiz Fux, assustado, deu ordens específicas à Polícia Federal para barrar os
manifestantes que tentassem invadir seu gabinete. Cármen Lúcia, que passava
o recesso de fim de ano na Bahia, antecipou o retorno e acompanhou a
remoção dos escombros do principal templo da Justiça brasileira. Cristiano
Zanin, por sua vez, desembarcou em Brasília três dias depois da baderna ainda
na posição de advogado pessoal do recém-empossado presidente Lula. Dois
anos, sete meses e vinte dias depois do que foi considerado o capítulo final de
um audacioso plano para subverter a democracia, esses cinco personagens
serão protagonistas do julgamento mais importante da história do STF.

A partir da próxima terça-feira, 2, o futuro de Jair Bolsonaro e de sete ex–
integrantes de seu governo acusados de envolvimento em uma conspiração
golpista começa a ser definido pelos ministros da Primeira Turma do STF. A
atenção sobre o julgamento ganhou ainda mais amplitude depois que o
presidente americano Donald Trump impôs sanções ao Brasil e aos ministros
da Corte em retaliação ao que ele considera uma “execução política” do expresidente. A interferência, indevida, evidentemente não vai influir na decisão
dos cinco juízes, mas é um complicador que agrega tensão antes e depois do
veredicto, qualquer que seja ele. Se Bolsonaro for condenado, os Estados
Unidos prometem impor punições ainda mais severas. Se for considerado
inocente, o que é improvável, aos olhos da opinião pública o Supremo terá se
curvado a pressões. Pelo menos trinta veículos de imprensa internacionais se
apresentaram para acompanhar as sessões, as residências e gabinetes dos
ministros passarão por varreduras, a segurança foi reforçada e policiais foram
convocados para proteger o tribunal.

SENTENÇA - Bolsonaro: a pena do ex-presidente por conspirar contra a democracia pode chegar a 43 anos de prisão (Cristiano Mariz/Agência O Globo/.)

Durante cinco dias, acusação e defesa vão esgrimir seus argumentos. Quarenta
anos depois de o Brasil ter superado uma ditadura, um ex-chefe de Estado será
levado ao banco dos réus por tentar derrubar um governo legitimamente
eleito. Principal personagem do que o Ministério Público classifica como
núcleo crucial da trama, o ex-presidente é acusado pelos crimes de tentativa de
golpe, tentativa de abolição do estado democrático de direito, organização
criminosa armada, dano qualificado e grave ameaça, imputações que, em caso
de condenação, podem sentenciá-lo, no limite, a 43 anos de cadeia. O caso
colocará à prova a tese de que o ex-presidente, convencido de que o Judiciário
não só o impedia de governar como trabalhava em favor do adversário,
buscava não um golpe propriamente dito, mas elementos que atestassem
fraude nas eleições em que foi derrotado por Lula e, com isso, um argumento
para anular o pleito e punir os responsáveis. Como a manipulação das urnas
eletrônicas nunca foi comprovada, as defesas de Bolsonaro e dos demais
acusados argumentam que discussões de eventuais ações concretas não teriam
passado de singelas cogitações, situação que não poderia ser caracterizada
como crime.

EPÍLOGO - Os atos do 8 de Janeiro: para a Procuradoria, o ataque foi a última etapa da fracassada tentativa de sublevação (Gabriela Biló/Folhapress/.)

Responsável pela acusação, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, que
foi reconduzido ao cargo pelo presidente da República na quarta-feira 27,
afirma ter reunido provas mais do que suficientes para demonstrar que
Bolsonaro liderou um movimento golpista. Para ele, mais do que divagações, o
plano começou a ser executado em 2021, a partir do momento em que o então
presidente aumentou a frequência dos discursos que levantavam suspeitas
sobre a segurança das urnas eletrônicas, procurou autoridades estrangeiras
para reverberar suas teses e, no ano seguinte, não só instruiu integrantes do
governo a se insurgir contra a fraude imaginária como discutiu e rascunhou
textos que planejavam sua manutenção no poder, a penalização de adversários,
o discurso pós-golpe e, no ato mais extremo, viu aliados planejarem a
eliminação do presidente Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin e do
ministro Alexandre de Moraes. O epílogo da trama, segundo o procurador,
foram os ataques do dia 8 de janeiro, idealizados para forçar uma intervenção
das Forças Armadas.

Os crimes de golpe de Estado e tentativa de abolição do estado democrático de
direito imputados a Bolsonaro também foram atribuídos aos ex-ministros
Walter Braga Netto (Casa Civil), Anderson Torres (Justiça), Augusto
Heleno (Segurança Institucional) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), além do
ex-chefe da Marinha Almir Garnier, do ex-diretor da agência de inteligência
Alexandre Ramagem e do antigo ajudante de ordens Mauro Cid. Eles se
reuniam, discutiam os planos e estariam imbuídos do mesmo objetivo
golpista. O procurador afirma que ocorreram pelo menos quatro reuniões no
Palácio da Alvorada, em Brasília, ocasião em que foram elaboradas teses
jurídicas e medidas para dar ares de legalidade a uma intervenção militar. Dos
oito acusados, três foram presos durante a investigação e instrução processual
(Bolsonaro, Braga Netto e Cid), dois continuam detidos (Bolsonaro e Braga
Netto), dois usam tornozeleira eletrônica (Bolsonaro e Cid) e os demais
aguardam o julgamento em liberdade. Todos se declaram inocentes.

PREPARAÇÃO – Acampamentos: manifestações seriam parte do plano para desacreditar as instituições (Sergio Lima/AFP)

O Supremo, que se prepara para analisar a acusação golpista, nem sempre
considerou que, nos anos de governo do capitão, o país esteve à beira de uma
ruptura. Poucos meses antes de assumir o comando do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), em 2022, por exemplo, Alexandre de Moraes, o relator do
processo, estava convicto de que a cúpula militar jamais apoiaria uma
aventura, dizia a pessoas próximas conhecer a fundo parte da caserna e
respondia com uma provocação a todos que afirmavam que o Brasil caminhava
para um descompasso democrático. “Se você perguntar para os dezesseis
generais do alto-comando separadamente ‘O que vocês acham do Bolsonaro?’,
garanto: vai ser 16 a 0, ridicularizando”, ressaltava o ministro. Os recorrentes
pedidos de intervenção e as manifestações organizadas contra a Corte
preocupavam, mas não chegavam a assustar o magistrado. “Eles xingam
muito. Você coloca o Choque na rua e joga duas bombas. O máximo que eles
atiraram na vida foi em alvo de papel”, ponderava.

NO BANCO DOS RÉUS – Também serão julgados por tentativa de golpe de Estado os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil), Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Segurança Institucional) e Paulo Sérgio (Defesa), além do ex-chefe da Marinha Almir Garnier, do ex-diretor da agência de inteligência Alexandre Ramagem e do ex-ajudante de ordens Mauro Cid (Evaristo Sá/AFP; Mauro Pimentel/AFP)

O ministro, que conduziu pessoalmente os inquéritos que apuraram a
articulação golpista, fazia uma única ressalva: “Quem tem a força militar é o
comandante do Exército. Quer golpe? Só uma pessoa importa: o comandante
do Exército”. No julgamento que tomará o STF a partir da próxima semana, a
reticência do então comandante do Exército, general Marco Antônio Freire
Gomes, em embarcar na nau conspiratória é apontada pelo Ministério Público
como determinante para a insurreição não ter ido adiante. Entre os
magistrados que decidirão o futuro do ex-presidente, apenas Luiz Fux tem
dado sinais de que não endossa totalmente as acusações. O ministro já
demonstrou desconforto com a hipótese de considerar uma eventual tentativa
de golpe como um crime consumado e discordou das altas penas impostas aos
invasores das sedes dos Três Poderes.

Jair Bolsonaro tentou, sem sucesso, impedir Flávio Dino e Cristiano Zanin de
participarem do julgamento sob a alegação de que ambos tinham concepções
preestabelecidas contra ele, o que comprometeria a isenção esperada de um
juiz. Como ministro da Justiça do governo Lula, Dino acompanhou minuto a
minuto a escalada da crise após os ataques de 8 de janeiro. Na época, ele
responsabilizou o ex-presidente pelos distúrbios, disse que houve uma
tentativa de golpe e chegou a discutir com um general que se recusou a
permitir a entrada da polícia no acampamento montado em frente ao QG do
Exército. Antes de ser indicado para ocupar uma vaga no STF, Dino também
disse que Bolsonaro representava a “encarnação do mal”. Já Zanin, como
advogado de Lula, foi autor de uma ação que pediu a inelegibilidade do expresidente, argumentando que ele havia se reunido com embaixadores para
difundir suspeitas infundadas contra o sistema eleitoral, endossado o bloqueio
de estradas durante as eleições e posto em xeque a credibilidade das urnas.
Zanin foi indicado para o Supremo em junho de 2023, um mês antes de
Bolsonaro ser considerado inelegível. Os três pontos que ele citou, por
coincidência, são mencionados na acusação da PGR. O ministro ressaltou que
não há “qualquer sentimento negativo” em relação ao ex-presidente que o
impeça de julgá-lo. Flávio Dino destacou que “pronunciamentos feitos antes
da investidura da condição de magistrado não se confundem com análises
próprias de um juízo criminal”.

INTERFERÊNCIA - Trump: ameaça de novas sanções em caso de condenação (Mehmet Eser/MEI/AFP)

Nenhum dos cinco ministros que vão julgar o ex-presidente e seus ex–
auxiliares mergulhou tão a fundo nos meandros da trama golpista quanto
Alexandre de Moraes. Na terça-feira 26, ele determinou que a Polícia Federal
passasse a monitorar ininterruptamente o condomínio onde Jair Bolsonaro
reside e está detido. Agentes ficarão postados à frente da casa do ex-presidente
por um prazo indeterminado. Muito mais cético do que antes, o ministro
relator quer evitar uma nova surpresa. Esclarecida a dúvida do passado quanto
à possibilidade de os militares darem guarida a uma virada de mesa — agora
fartamente documentada no processo que tem dezenas de milhares de páginas
e mais de 70 terabytes de documentos —, o magistrado conduziu com mão de
ferro o caso contra o ex-presidente, condenou mais de 700 pessoas que
participaram dos ataques do 8 de Janeiro, penalizou propagadores de notícias
falsas e apertou o torniquete contra os investigados que planejaram assassinálo para consolidar a tomada do poder. Se não houver contratempo, o veredicto
do julgamento mais importante da história do STF deve ser conhecido em dez
dias. A decisão terá repercussões políticas enormes e entrará para a história
brasileira.

 

 

 

Compartilhe:

Artigos Relacionados

Saques dos precatórios de 2022, 2023 e 2024 começam a ser liberados

Jamile Romano

Com alta do dólar, qual melhor momento para comprar moeda para viajar?

Raimundo Souza

Procon promove fiscalização durante a Expoquinari

Raimundo Souza

Governo realiza mutirões de cardiologia, odontologia e cirurgia geral no Hospital Regional do Alto Acre

Raimundo Souza

VÍDEO: Paris tem noite de vandalismo e violência após título do PSG; três pessoas foram mortas

Raimundo Souza

Casamento coletivo na Expoacre oficializa a união de 500 casais

Raimundo Souza