24.3 C
Rio Branco
quarta-feira, 26 de novembro de 2025
O RIO BRANCO
BrasilGeral

Do inquérito das fake news ao 8/1: a teia de investigações que leva ao julgamento de Bolsonaro

*Por Hugo Henud/ Estadão

Sob relatoria de Alexandre de Moraes, a PGR reuniu apurações abertas desde 2019 no STF em um fio acusatório que transfomou Jair Bolsonaro em réu por tentativa de golpe de Estado

Ojulgamento de Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado é resultado de uma teia de investigações abertas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e tecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em um fio acusatório. Cada apuração funcionou como uma peça, indo do inquérito das fake news, em 2019, aos atos de 8 de Janeiro, em 2023, e forma um quadro cuja imagem de uma tentativa de quebra democrática será validada ou descartada pelos ministros da Primeira Turma a partir da próxima semana.

Sob relatoria de Alexandre de Moraes, todas essas investigações foram reunidas pelo procurador-geral Paulo Gonet na ação do golpe, que agora coloca o ex-presidente no banco dos réus sob a acusação de atentar contra a democracia.

Para criminalistas ouvidos pelo Estadão, a estratégia da PGR foi dar unidade às apurações conexas, apresentando Bolsonaro como comandante e principal beneficiário de uma trama golpista. Nessa lógica, apontam, cada episódio teria funcionado como degrau para o seguinte, numa escalada usada para fortalecer a acusação contra o ex-presidente e os demais réus do chamado núcleo crucial.


Cronologia das investigaçõesDiferentes inquéritos foram conectados pela PGR com base em provas e fatos que levaram à ação penal do golpe.


As defesas contestam essa construção e sustentam que se trata de investigações distintas, artificialmente reunidas para sustentar a acusação. Além de Bolsonaro, serão julgados os generais Braga Netto, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o almirante Almir Garnier, o ex-ministro Anderson Torres, o deputado Alexandre Ramagem e o tenente-coronel Mauro Cid.

A rede de investigações teve origem no inquérito das fake news, instaurado de ofício em 2019 por ordem do então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e distribuído diretamente ao gabinete de Moraes, sem sorteio, em movimento incomum para os padrões da Corte. A investigação, que inicialmente mirava ataques contra ministros da Corte, logo se expandiu para apurar a disseminação de notícias falsas contra instituições democráticas, incluindo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), passando a atingir Bolsonaro e seus aliados.

A partir dela, novas frentes foram abertas e abastecidas com provas, entre as quais o inquérito das milícias digitais, instaurado em 2021. Com base no material das fake news, essa apuração virou a espinha dorsal dos casos seguintes ao investigar uma organização criminosa digital, estruturada em núcleos de produção, financiamento e difusão de desinformação contra o sistema político e autoridades.

As investigações e os crimes que cercam Bolsonaro


Desde então, os casos subsequentes ficaram sob a relatoria de Moraes em razão do instituto da prevenção: pelo regimento do STF, sempre que há conexão de fatos, provas ou personagens com uma investigação anterior, o novo processo é automaticamente distribuído ao mesmo ministro.

É nesse encadeamento que a PGR situa a live de julho de 2021, quando Bolsonaro divulgou dados sigilosos de uma investigação da Polícia Federal sobre um ataque hacker ao TSE em 2018 – episódio que, segundo os próprios investigadores, não comprometeu as urnas eletrônicas. Gonet classificou a transmissão como um “marco simbólico” do plano golpista e sustentou que ela foi usada “para direcionar a opinião pública à hipótese de insurreição”.

“O réu agiu de forma sistemática, ao longo de seu mandato e após sua derrota nas urnas, para incitar a insurreição e a desestabilização do Estado Democrático de Direito.”

-Paulo Gonet Procurador-geral

Em 2022, o caso da live passou a ser alvo de investigação própria, também distribuída a Moraes, reforçando o encadeamento.

No mesmo ano, o ex-ajudante de ordens Mauro Cid entrou no centro das apurações: elementos colhidos no inquérito das milícias digitais apontaram sua participação em suposta fraude nos cartões de vacinação da Covid-19 de Bolsonaro e familiares. A partir daí, abriu-se investigação específica, que levou à prisão de Cid no ano seguinte e, depois, ao acordo de delação premiada que se tornou peça-chave em diferentes frentes.

Mesmo arquivado em março deste ano, a pedido da PGR e com aval de Moraes, o caso das vacinas alimentou outras linhas de investigação, como a apuração sobre a venda de joias sauditas e presentes oficiais recebidos por Bolsonaro – caso revelado pelo Estadão em 2023 e que resultou no indiciamento do ex-presidente em 2024.

Na leitura da PGR, todo esse fio narrativo desemboca em 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes. Para Gonet, os ataques foram o “apogeu violento” da cadeia de atos atribuída ao ex-presidente e seus aliados. A partir dali, o STF abriu novas frentes. Uma delas mira os autores intelectuais dos ataques, entre eles Bolsonaro, incluído com base em provas colhidas desde a investigação da milícia digital.

O ex-presidente Jair Bolsonaro durante o interrogatório no Supremo Tribunal Federal.
O ex-presidente Jair Bolsonaro durante o interrogatório no Supremo Tribunal Federal. • Ton Molina/STF

Em paralelo, avançou a investigação sobre a chamada Abin paralela, ligada ao inquérito das fake news e alimentada por provas da milícia digital. A apuração mirava o uso de softwares de espionagem para perseguir adversários e proteger aliados. Para a PGR, essa atuação reforçou a tese central da acusação ao mostrar como a máquina pública teria sido mobilizada para sustentar a articulação golpista.

No fim de 2023, todas as frentes foram reunidas em investigação própria, sob relatoria de Moraes. Gonet consolidou provas, personagens e episódios para enquadrar a tentativa de golpe, resumindo a lógica como “escalada da violência” conduzida por núcleos organizados para corroer a confiança no processo eleitoral e subverter o resultado das eleições de 2022, vencidas por Lula.

Em março de 2025, a Primeira Turma do STF recebeu a denúncia e abriu a ação penal do golpe. Bolsonaro e outros sete réus do núcleo crucial passaram a responder por golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, associação criminosa armada, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

“Essa estratégia adotada pela PGR fortalece o enquadramento da acusação, ao mostrar que o 8 de janeiro não surgiu ‘do nada’, mas foi o ponto culminante de uma escalada organizada e persistente”

-Marcelo Crespo Criminalista e coordenador de Direito da ESPM-SP

Para o criminalista Marcelo Crespo, coordenador de Direito da ESPM-SP, a estratégia da PGR foi apresentar a tentativa de golpe como parte de uma sequência de iniciativas destinadas a enfraquecer as instituições, e não como ato isolado. “Isso reforça a acusação.” O professor da USP Pierpaolo Bottini concorda e avalia que a linha costurada pela PGR foi necessária diante da complexidade dos crimes.

Crespo pondera, porém, que a unificação abre margem para questionamentos: as defesas podem alegar perseguição política pela reunião de atos distintos. É justamente esse o argumento dos advogados, que classificam a construção como artificial e forçada. “Essa linha não para em pé”, diz Demóstenes Torres, que defende o ex-comandante da Marinha, Almir Garnier.

Compartilhe:

Artigos Relacionados

Com investimento superior a R$ 635 mil, governo fortalece saúde com repasse de equipamentos à Fundhacre

Raimundo Souza

Segunda-feira será marcada por chuvas em todo o Acre, com risco de temporais em várias regiões

Kevin Souza

EUA atacam bases nucleares do Irã, diz Trump; o que se sabe até agora

Raimundo Souza

Força-tarefa contra a poluição desencadeada pela Defesa Civil envolve os três níveis de governo

Raimundo Souza

Pressão popular contra PEC da Blindagem piora clima para votar anistia

Raimundo Souza

‘Medo de morrer’, ‘tratado igual cachorro’; o que dizem os brasileiros deportados

Raimundo Souza