ANÚNCIO - O lançamento do pacote: medidas dependem agora da aprovação do Congresso (Ricardo Stuckert/PR)
Os tropeços do passado servem de alerta para que se trate o novo programa de auxílio com prudência
Criado em 2021 com o objetivo de socorrer empresas de serviços sufocadas
pela pandemia, o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos
(Perse) tornou-se um caso exemplar da tradição brasileira de transformar
medidas provisórias em privilégios permanentes. Previsto para durar cinco
anos e custar 4 bilhões de reais anuais, o programa zerou parte dos impostos
das empresas de eventos. Em 2023, porém, já queimava quatro vezes mais
recursos e havia ampliado seu alcance para muito além de restaurantes,
cinemas, feiras e hotéis, passando a beneficiar até influenciadores digitais e
grandes plataformas de delivery. Após desgastantes negociações entre Planalto
e Congresso, o Perse foi extinto em abril deste ano. Mas ele quase entrou para
uma lista de emergências sem fim: a desoneração da folha de pagamento,
criada em 2011, e a Zona Franca de Manaus, inaugurada em 1967, também
nasceram temporárias, mas permanecem em vigor até hoje.
Sob a pressão para que velhos erros de planejamento não se repitam — e,
sobretudo, diante do caixa vazio para sustentar subsídios —, o
presidente Lula apresentou na quarta 13 seu pacote de socorro às empresas
atingidas pela supertarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos a produtos
brasileiros. Em vigor desde o dia 6, a medida americana atinge cerca da metade
de tudo o que o Brasil exporta para lá. Entre os prejudicados estão centenas de
grandes e pequenos produtores, de carne, café e frutas a calçados, móveis e
máquinas. Muitos tinham nos Estados Unidos seu principal, quando não
único, cliente. “É importante que as medidas sejam bem desenhadas e
pontuais”, afirma Murilo Viana, consultor da GO Associados, especializado em
contas públicas. “No Brasil, infelizmente, sabemos que, uma vez concedida,
uma ajuda raramente deixa de existir.”

O pacote de contingência, batizado de Brasil Soberano, prevê linhas de crédito
com juros reduzidos, garantias para novos financiamentos, abatimento de
impostos e até a compra, por prefeituras e governos estaduais, de alimentos
encalhados com a perda das exportações. O Planalto garante que, desta vez,
haverá critérios claros para a distribuição dos recursos, levando em conta o
porte das empresas, o tipo de produto comercializado e o peso das vendas para
o mercado americano. Ainda assim, os tropeços do passado servem de alerta
para que se trate o novo pacote com prudência.
O carro-chefe do programa é a liberação de 30 bilhões de reais, hoje aplicados
em um fundo do BNDES, para a oferta de novas linhas de financiamento à
exportação com juros reduzidos, direcionadas às empresas atingidas pelo
tarifaço. Além disso, serão aportados 4,5 bilhões de reais nesses fundos de
crédito, e outros 5 bilhões foram reservados para ampliar o desconto de
impostos sobre produtos exportados. A soma de 9,5 bilhões de reais
representa, de fato, o montante que sairá dos cofres públicos diretamente para
reforçar o caixa das empresas — e, no curto prazo, pressionar as contas
federais. O valor não é pequeno para um governo que já projeta encerrar o ano
com déficit de 26 bilhões de reais, bem próximo do limite fixado pela meta
fiscal, de 31 bilhões.

SEM ACESSO – Scott Bessent, do Tesouro americano: o Brasil nem sequer consegue obter uma reunião (Allison Robbert/AFP)
Não por acaso, a equipe econômica sinalizou que pedirá ao Congresso
autorização para excluir os novos gastos da meta fiscal. “O problema não é o
valor em si, mas o fato de que ele se soma a uma sequência de decisões
irresponsáveis do governo, que vive encontrando maneiras de driblar as regras
fiscais”, afirma Luis Leal, economista-chefe da gestora G5 Partners. Para
Welber Barral, sócio da consultoria BMJ, há outro risco: “Medidas de crédito
como essa quase sempre acabam beneficiando apenas as grandes empresas”. O
programa promete dar prioridade às pequenas e médias exportadoras no
acesso ao crédito subsidiado, mas, como ressalta Barral, ainda pairam
incertezas sobre como serão definidos os critérios e aplicadas as regras.
Depender do socorro permanente não interessa nem mesmo aos produtores.
“Vamos trabalhar muito para que essas medidas sejam apenas temporárias e
superadas o mais rápido possível”, afirmou o presidente da Confederação
Nacional da Indústria, Ricardo Alban, ao comentar o anúncio do pacote. Na
avaliação de Igor Rocha, economista-chefe da Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp), a iniciativa “não elimina o prejuízo, mas oferece
algum alívio”. Antes do anúncio, a Fiesp estimava que as tarifas americanas,
como estavam desenhadas, poderiam cortar 0,2 ponto percentual do PIB em
2025. Agora, com o plano de 30 bilhões na mesa, a corretora XP Investimentos
calcula que a perda pode ser integralmente compensada.

DIFÍCIL DE TIRAR - Comércio fechado na pandemia: o Perse ganhou sobrevida (Bruna Prado/Getty Images)
Os maiores desafios, no entanto, estão a médio e longo prazo — é aí que surge
o temor de que um pacote emergencial acabe ganhando sobrevida e sendo
renovado indefinidamente. “Buscar novos mercados é essencial”, afirma Sérgio
Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados. “Não dá para depender
só de pacote fiscal. O risco de as empresas chegarem ao ano que vem ainda em
dificuldades, sem conseguir redirecionar suas mercadorias, é considerável.”
Nesse sentido, o chamado “eixo diplomático” é uma das apostas do plano: o
próprio Lula prometeu intensificar a busca de novos parceiros comerciais, sem
abandonar a tentativa de negociação com os Estados Unidos, embora os
pedidos de reunião de ministros brasileiros sigam sem resposta do secretário
do Tesouro americano, Scott Bessent. Índia, Vietnã, Emirados Árabes e Canadá
já figuram no novo mapa de prospecção. O problema é que Lula busca novos
mercados com três décadas de atraso: o Brasil é um dos países que menos
avançaram em acordos comerciais desde os anos 1990 e, agora, terá de
começar do zero um trabalho que outros lapidam há anos.
O desafio é imenso. As exportadoras, de fato, ganharão um fôlego extra para se
adaptar à tarifa de 50% imposta por Trump. Mas o presidente americano
permanecerá no cargo até 2029, e os fatores que motivaram sua decisão, em
especial o imbróglio jurídico-político de Jair Bolsonaro, dificilmente mudarão
nesse período. O Brasil não pode sustentar indefinidamente um plano de
socorro dessa magnitude. É preciso que os setores contemplados caminhem
com as próprias pernas em um futuro próximo. Espera-se também que o
governo troque a retórica bélico-demagógica pelo pragmatismo diplomático.
Só assim a ideia de um Brasil soberano deixará de ser um slogan para se tornar
realidade.
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