LONGA ESPERA - Galípolo: Selic começa a cair só no ano que vem (Ton Molina/Bloomberg/Getty Images)
Riscos fiscais no Brasil e turbulências externas freiam a retomada econômica
Foram dez longos e turbulentos meses desde que o Banco Central começou a
subir os juros básicos da economia, a Selic, em setembro de 2024. A
temporada incluiu uma aguda crise de fuga de dólares no fim do ano, uma
disparada nos preços dos alimentos, uma troca no comando no BC, com a
chegada do escolhido do presidente Lula, Gabriel Galípolo, e até mesmo a
deflagração de uma guerra comercial global com a entrada de outro presidente,
Donald Trump, no comando dos Estados Unidos. Nesse meio-tempo, a taxa
saiu de 10,5% para 15% ao ano, um nível que foge dos padrões de praticamente
qualquer outro lugar do mundo e que, mesmo no Brasil, não se via fazia vinte
anos. Não é preciso muito esforço para reconstituir a lista de anomalias
geradas por um nível tão exorbitante de juros, passando por condições
proibitivas de crédito, paralisia dos investimentos e níveis de crescimento
anêmicos com os quais o Brasil já está tão acostumado.

Em meio a tamanha asfixia, surge, enfim, um sinal positivo: a escalada dos
juros chegou ao fim. Na última quarta-feira, 30, o Comitê de Política
Monetária do Banco Central (Copom) decidiu, por unanimidade, manter a taxa
Selic em 15% ao ano — trata-se da primeira pausa após sete altas consecutivas.
O anúncio veio poucas horas após a Casa Branca confirmar o aumento da
tarifa de importação sobre produtos brasileiros de 10% para 50%. A versão
atenuada do decreto, recheada de exceções (cerca de 40% dos itens da lista
anteriormente apresentada ficaram de fora), acabou diluindo os piores
temores iniciais, mas o estrago continua sendo considerável. Não dá para
ignorar os prejuízos que vão ocorrer e a dose de incerteza daqui para a frente
em decorrência da nova política tarifária americana. Apesar de o Palácio do
Planalto insistir em manter uma retórica agressiva contra o governo Trump,
alguns canais de negociação foram abertos nos últimos dias e a esperança é de
que os setores atingidos pela taxa de 50% consigam reduzir os prejuízos em
novas rodadas de conversa.
Enquanto isso, no campo da Selic, o consenso entre economistas e
investidores aponta que o próximo movimento deve, finalmente, ser de queda,
abrindo espaço para que a economia doméstica volte, aos poucos, a respirar. A
dúvida recai sobre o momento e o ritmo do alívio monetário, já que a
expectativa de desaceleração da inflação a partir do ano que vem, condição
essencial para a redução dos juros, ainda convive com incertezas vindas do
exterior e com uma política fiscal doméstica que atua na direção errada. Ao
aumentar os gastos públicos, o governo federal traz mais pressão inflacionária,
o que dificulta o trabalho do Banco Central e torna mais arriscada qualquer
antecipação do ciclo de cortes.

Por enquanto, as principais projeções indicam que as primeiras reduções da
Selic devem ocorrer apenas entre dezembro e março do próximo ano. “Pela
primeira vez, o balanço de riscos ficou simétrico, ou seja, as forças que
empurram a inflação para baixo se igualaram às que a pressionam para cima, e
isso permite ao Copom fazer uma pausa para observar com mais calma os
efeitos da política monetária”, diz Igor Rocha, economista-chefe da Fiesp, a
federação das indústrias de São Paulo. Até recentemente, essa balança pendia
nitidamente para o lado inflacionário, com a economia crescendo em ritmo
acelerado e o dólar rompendo a barreira dos 6 reais. “Não é exatamente uma
vitória, porque a inflação ainda está bem longe da meta, mas o Banco Central
está conseguindo aos poucos melhorar a crença de que essa distância vai
diminuir”, acrescenta o economista Eduardo Velho, sócio e estrategista da
gestora Equador Investimentos.
Os efeitos da alta de juros demoram algum tempo para se disseminar por toda
a economia. É a partir de agora que o seu impacto deve começar a se
manifestar com mais clareza no dia a dia das empresas e dos consumidores. Os
primeiros sinais já estão visíveis. Nas contas preliminares da maior parte dos
economistas, a expectativa é de um crescimento próximo de zero, ou até
levemente negativo, no terceiro e no quarto trimestres. “Os resultados do
varejo, da indústria e dos serviços já mostram desaceleração”, afirma Gustavo
Sung, economista-chefe da casa de análises Suno Research. O cenário,
portanto, reforça a percepção de que o ciclo de aperto monetário chegou ao seu
limite e que a análise agora se volta para os efeitos colaterais sobre o ritmo da
economia.

NOVA ROTA - Jerome Powell, do Fed: EUA se preparam para cortar juros (Andrew Harnik/Getty Images)
O IPCA, indicador oficial de inflação do país, fechou junho com alta acumulada
de 5,3% em doze meses, um patamar consideravelmente acima da meta de 3%
que o Banco Central deve perseguir e também superior ao limite de tolerância,
fixado em 4,5%. Mesmo nas projeções mais otimistas, não se espera que o
índice retorne ao centro da meta a curto prazo. A própria estimativa do Banco
Central aponta que, até o fim de 2027 — portanto, daqui a mais de dois anos —,
a inflação deve recuar para 3,2%, ainda alguns décimos acima do objetivo
estabelecido pelo regime de metas.

PROMOÇÃO - Carnes à venda: queda das exportações pode fazer o preço recuar para o consumidor (Faga Almeida/UCG/Getty Images)
Os números do IPCA começaram a mostrar sinais de desaceleração nas
leituras de junho e julho, com alguns itens, como os alimentos, registrando até
deflação. Fatores externos também contribuíram para esse alívio. A
expectativa de que Jerome Powell, presidente do Federal Reserve, o banco
central dos Estados Unidos, inicie o ciclo de corte de juros até o fim do ano,
somada à retórica agressiva de Donald Trump na política internacional, tem
enfraquecido o dólar globalmente. Esse movimento ajuda a conter a taxa de
câmbio no Brasil, hoje relativamente estável em torno de 5,60 reais, reduzindo
pressões sobre os preços internos e reforçando a tendência de queda da
inflação.
Até mesmo as barreiras comerciais impostas por Donald Trump à entrada de
produtos brasileiros nos Estados Unidos podem ter um efeito desinflacionário
no curto prazo, ajudando o Banco Central, comandado por Gabriel Galípolo, na
tarefa de iniciar a redução dos juros. “Produtos que seriam exportados vão
sobrar e podem ficar um pouco mais baratos no mercado interno”, diz Livio
Ribeiro, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio
Vargas

EM ALTA - Restaurante lotado em São Paulo: setor de serviços está aquecido (Rafael Dias
Katayama/Shutterstock)
Carnes e café, dois dos principais produtos brasileiros consumidos nos Estados
Unidos e que, ao menos por enquanto, seguem incluídos na tarifa de 50%,
estão entre os itens com maior potencial de perder espaço lá fora e pressionar
para baixo os preços no mercado brasileiro. “Mas são alívios pontuais e de
curto prazo”, afirma Ribeiro. “O ambiente externo, assim como o interno,
ainda inspira cautela.” Mesmo que as condições aparentem estar finalmente
alinhadas para o início do ciclo de queda dos juros, o cenário, de fato, ainda é
cercado de incertezas. Caso o alívio monetário se concretize nos próximos
meses, o desafio seguinte será manter a inflação sob controle e garantir que a
recuperação da economia ocorra sem novos solavancos no percurso.
*Publicado em VEJA

