Atualizada em 11/05/2025 08:53
A ex-mulher do cantor Belo deixou os fãs surpresos ao se declarar para bebê rebornFoto: Reprodução
Comportamento de mulheres é criticado. Especialistas dão opinião a respeito da febre dos bonecos quase reais. E artesã sai em defesa de seu trabalho
A maternidade é vista por muitas mulheres como uma bênção e talvez a única forma de se sentir realizada. Para outras, nem tanto, pois focam mais na vida profissional. Trata-se apenas de uma questão de escolha. Mas o que vem chamando a atenção é a quantidade de mulheres adultas que “adotaram” os bebês reborns e os humanizam como se fossem filhos e filhas de verdade.Se de um lado, muitas pessoas acham a prática meio fora da casinha, outras veem, inclusive, como uma arte.
Fotogaleria:
A psiquiatra Natasha Ganem fala que é necessário saber o contexto da relaçãoDivulgação
Os bebês reborns são bem parecidos com os reais e estão no ‘olho do furacão’Arquivo pessoa
A artista plástica Ale está indignada com o que vem sendo feito com os rebornsArquivo pessoa
Elson Asevedo diz que são vários os fatores para a ‘adoção’ dos reborns Divulgação
Para Jorge Jaber ter um bebe reborn não é sinal de transtorno mental Divulgação
O psicanalista Raí Rocha diz que toda nova adesão é um fenômeno sociológico Divulgação
A ex-mulher do cantor Belo deixou os fãs surpresos ao se declarar para bebê reborn Foto: Reprodução
O fato é que a polêmica está lançada para o bem ou para o mal. Nas redes sociais o que não faltam são ‘mães’ desses bebês e crianças que, com certeza, não dão tanto trabalho e amor como os de carne e osso. A reportagem do jornal O DIA fez contato com algumas dessas mulheres via direct do Instagram, mas até o fechamento desta edição nenhuma delas respondeu.
Há alguns dias, quem estampou nas redes o seu amor por Benício, bebê reborn, boneco que imita com perfeição um recém-nascido, foi a ex-BBB e ex-mulher do cantor Belo, Gracyanne Barbosa. “Como já disse anteriormente, meu sonho é ter um filho. Podem me julgar, no começo eu achei estranho. Mas Benício me trouxe felicidade. Te amo, bê!”, escreveu Gracyanne, acompanhando a publicação com foto do boneco. Tem quem diga que se tratou de apenas uma brincadeira, mas onde há fumaça…
Aos olhos da maioria das pessoas, a prática parece muito esquisita e todos acham que quem coleciona ou trata os bonecos como ser humano não pode estar com o juízo perfeito, mas não é bem assim. Segundo alguns especialistas entrevistados pelo jornal O DIA, existem vários fatores para que as mulheres lancem mão de um hobby ou um desejo de ainda ter bonecos quase iguais a uma criança real.
Profissionais de saúde mental discorrem sobre o tema
De acordo com o psiquiatra Jorge Jaber, dono de uma clínica que leva o seu nome em Vargem Pequena, na Zona Oeste do Rio, a relação de mulheres adultas que tratam bebês reborn como se fossem filhos de verdade pode ter vários significados.
“Em muitos casos, esses bebês funcionam como objetos de afeto e cuidado, ajudando a lidar com sentimentos profundos como perdas, solidão ou desejos não realizados. A relação é simbólica: elas sabem que se trata de uma boneca, mas projetam nela emoções reais. Isso pode ter um efeito terapêutico positivo”.
O especialista explica que pode, inclusive, ter a ver com uma maternidade que não aconteceu. “Algumas mulheres enfrentaram dificuldades para ter filhos, perderam bebês ou vivem situações de luto ou afastamento de vínculos familiares. Outras apenas gostam da experiência simbólica da maternidade. O mais importante é entender que, para algumas pessoas, esses momentos representam cuidado, pertencimento e afeto. E isso não significa necessariamente que haja algo errado”, pontua.
Apesar de muitos leigos acharem que quem convive com um bebê reborn pode ter algum problema, o psiquiatra diz que não necessariamente. “Ter um bebê reborn e cuidar dele com carinho não é, por si só, um sinal de transtorno mental. Só levantamos essa hipótese quando o comportamento causa sofrimento significativo ou impede a pessoa de levar a vida normalmente. Por exemplo: se ela começa a se isolar, se perde do convívio social ou acredita que o boneco é um bebê real. Mas esses casos são exceções”, salienta Jaber, que não vê motivos para um tratamento psicológico no caso dessas mulheres.
“Se essa prática está associada ao bem-estar, não há motivo para preocupação. Mas, se for uma tentativa de fugir de dores emocionais muito profundas, pode ser interessante buscar apoio psicológico. Não para ‘deixar de brincar’ com o bebê reborn, mas para entender melhor seus sentimentos e cuidar da saúde emocional como um todo”, orienta.
Psiquiatra do Hospital São Paulo, da Unifesp, Elson Asevedo, compartilha da mesma opinião do colega, Jorge Jaber. “De fato, muitas pessoas acham incomum ou até mesmo estranho que mulheres adultas dediquem atenção e cuidado a bebês reborn como se fossem reais. Essa prática, embora incomum, pode refletir questões emocionais complexas. Algumas mulheres podem recorrer aos reborns após situações difíceis, como a perda de um filho, abortos espontâneos ou infertilidade, utilizando os bonecos como uma maneira simbólica de lidar com o sofrimento emocional ou preencher um vazio existencial”, explica o profissional.
Segundo o psiquiatra, outras podem enxergar nesses bonecos uma forma de vivenciar simbolicamente aspectos da maternidade que não tiveram oportunidade ou optaram por não experimentar. “Ainda assim, é necessário ter cautela para que essa vivência simbólica não substitua ou prejudique relações reais e saudáveis”.
De acordo com o profissional, é importante também considerar que mulheres idosas ou que enfrentam momentos de solidão podem recorrer aos reborns em busca de companhia ou propósito. “Porém, é válido lembrar que relações afetivas e sociais reais são essenciais e não podem ser substituídas integralmente por objetos”, explica ele, acrescentando que a prática de cuidar isoladamente de bebês reborn não configura um transtorno mental e, portanto, não requer obrigatoriamente tratamento psiquiátrico.
“Contudo, é prudente observar se a utilização desses bonecos começa a causar isolamento social significativo, a substituir relacionamentos reais ou prejudicar o desempenho em atividades cotidianas e responsabilidades importantes. Caso esses sinais estejam presentes, ou ainda se o cuidado com os reborns estiver relacionado à intensificação de sintomas como ansiedade ou depressão profunda, pode ser recomendável procurar avaliação psicoterapêutica ou psiquiátrica”, avalia.
Leitura diferenciada
O psicanalista comportamental Raí Rocha (UFF) faz uma leitura diferenciada sobre essa febre que tomou conta de algumas mulheres. “O movimento do bebê reborn é muito semelhante ao que aconteceu no passado com o movimento pais de pet e existem várias vertentes quanto a isso. Existem mulheres que transferem o amor e carinho que poderia ser oferecido à prole para os bebês reborn como forma de compensar uma maternidade não realizada por várias questões (falta de parceiros, problemas para engravidar.), ou por sentirem falta do tempo em que seus filhos eram pequenos e precisavam dos cuidados desta faixa etária ou até mesmo por se sentirem sós e terem aquela representação de ser humano ao lado”, afirma.
Para o profissional, houve a adesão de outras mulheres, e nota-se que uma comunidade surgiu e, a partir disso, obteve-se a união de mulheres em prol de um desejo em comum: trocarem informações e compartilharem gostos semelhantes. “Parto do princípio que toda nova adesão é um fenômeno sociológico que deve ser estudado com mais profundidade, antes de termos uma conclusão e um julgamento. Dentro de qualquer situação que surja na sociedade, como a do bebê reborn, penso que o equilíbrio sempre é a solução para não haver sofrimento psicológico dessa mulher em relação ao que chamamos de ‘objeto de desejo’. Por isso, quando pensamos em algo saudável para a mãe reborn, pensamos em comunidade, trocas, novos contatos, compartilhamento de lembranças de uma maternidade e um suprir de solidão”, diz ele, que também fala sobre o lado negativo da questão.
“Já quando pensamos em algo não equilibrado, podemos encontrar mulheres deixando de viver suas vidas para ter um foco em alimentar uma dor, uma falta ou, dependendo, algum tipo de obsessão da sua história. Mas volto a dizer, como é um fenômeno novo, vale a pena aprofundamento no contexto comportamental destas mulheres para compreender melhor o que permeia tal nova prática”, finaliza o profissional.
Conteúdos afetivos não resolvidos
A psiquiatra Natasha Ganem afirma que é necessário observar com cuidado o contexto em que essa relação se estabelece.”Em pessoas com quadros de luto não elaborado, depressão, transtorno de personalidade, psicose ou demência, o bebê reborn pode ser usado como uma extensão psíquica de conteúdos afetivos não resolvidos. Nessas situações, a função do boneco pode oscilar entre suporte simbólico e manutenção de uma realidade dissociada. Em idosos com demência, por exemplo, o uso do reborn tem sido testado com o objetivo de diminuir agitação e ansiedade, embora os resultados sejam ainda controversos do ponto de vista ético e clínico”, explica.
A especialista diz que é importante não patologizar generalizadamente o uso dos bebês reborn. “Em muitos casos, o apego a esses bonecos representa um gesto inofensivo, um alívio momentâneo da dor ou um hobby com valor subjetivo significativo. A arte do reborn pode servir como meio de expressão emocional, reconexão com memórias e canalização de afetos, especialmente quando mediada por consciência crítica e suporte emocional adequado”.
Para a profissional, essa febre é um desafio. “A moda dos bebês reborn nos desafia a compreender os limites entre o simbólico e o patológico, entre o cuidado e a evasão da realidade. Cabe aos profissionais de saúde mental manterem uma escuta qualificada, livre de preconceitos, e promoverem intervenções empáticas e integrativas, quando necessário. A forma como uma pessoa se relaciona com um bebê reborn pode ser uma janela para sua dor — ou um reflexo de sua capacidade de criar, amar e ressignificar”, finaliza Natasha.
Um olhar sobre a arte
A artista plástica Alessandra Nácul @alerebornoficial) tem uma outra visão sobre o assunto. “O reborn além do viral: meu olhar sobre arte, inclusão e responsabilidade . Sinto uma enorme responsabilidade, como artista, de compartilhar com o público meu ponto de vista diante da recente viralização de vídeos que denigrem tanto quem cria quanto quem coleciona bebês reborn. Muitos desses conteúdos buscam apenas chamar a atenção, gerar polêmica e viralizar, sem qualquer preocupação com o real valor do universo reborn”.
Ela conta que o mundo reborn é imensamente mais rico e interessante do que sugerem as redes sociais. Existem exposições internacionais respeitadíssimas, onde artistas de vários países expõem suas obras. “Já recebi convites para expor e para ministrar aulas em feiras especializadas em reborn em Valência, na Espanha, e tive a honra de participar de eventos em galerias de arte reconhecidas, como a EURART, em Portugal, em Paris, na França, em Madrid na Espanha. Recebi o honroso prêmio de “Melhor Artista” pela EURART (Galeria de Arte de Portugal) e neste mês de maio, estou com uma exposição individual marcada em Portugal e, em breve, também terei minha exposição individual em Madrid, na Espanha.
Ale, como também é chamada, foi responsável pela criação de bebês reborn para séries de destaque, como Pedaço de Mim, da Netflix, e Dom, da Amazon Prime Video, em que os reborns substituíram recém-nascidos reais nos sets, resguardando a saúde dos bebês em ambientes muitas vezes frios e inadequados para pequenos de verdade.
A profissional explica que, além do cenário artístico e do audiovisual, o reborns são usados como recurso terapêutico, ajudando pessoas autistas, idosos e famílias em situações delicadas. “No momento, além de dar mentoria e formar outras artistas reborn, trabalho em um projeto de inclusão social, preparando uma exposição de bebês reborn com deficiência física. O objetivo é sensibilizar a sociedade para a representatividade – pois, no passado, era muito difícil encontrar bonecas étnicas que permitissem a identificação de crianças negras e, ainda hoje, praticamente não vemos bonecas com deficiência física nas lojas, privando muitas crianças dessa identificação essencial. Por isso acredito tanto no poder de representatividade que nosso trabalho pode trazer”.
Pirataria no caminho
A artista plástica ainda fala de outros problemas enfrentados por quem fabrica os bebês. “Há desafios enormes a serem enfrentados em nosso meio. A pirataria, por exemplo, é um problema gravíssimo: aproximadamente 90% dos reborn comercializados no Brasil vêm de fábricas clandestinas, que copiam e reproduzem esculturas de artistas estrangeiros sem pagar direitos autorais, sem nenhum controledos materiais utilizados, podendo até prejudicar a saúde das pessoas. Essas cópias são divulgadas livremente na mídia, redes sociais e, até mesmo, em programas de TV, prejudicando quem trabalha de forma séria e ética.
Se Ale está chateada com a repercussão negativa, também há motivo para comemorar. Vereadores do Rio de Janeiro aprovaram, em 7 de maio deste ano, um projeto de lei para incluir o Dia da Cegonha Reborn no calendário da cidade, a ser comemorado em 4 de setembro. Autor da proposta, o vereador Vitor Hugo (MDB) afirmou na justificativa se tratar de uma homenagem às artesãs conhecidas como Cegonhas, responsáveis por confeccionar bonecos de bebês com aparência realista. O texto agora aguarda sanção do prefeito Eduardo Paes.
Saiba mais
Confeccionados com materiais especiais para imitar, com impressionante realismo, recém-nascidos humanos, os bebês reborn são bonecos com peso, textura de pele, detalhes como veias, rugas, manchas e até cheiro de nenem. São feitos à mão por artistas especializados e podem ser personalizados conforme o desejo do comprador, escolhendo características como cor dos olhos, cabelo, gênero e até o peso.
O termo “reborn” vem do inglês e significa “renascido”. A origem do conceito remonta à Segunda Guerra Mundial, quando famílias reformavam bonecas antigas para que as crianças tivessem com o que brincar. Com o passar das décadas, a técnica se desenvolveu e se transformou em uma forma de arte e colecionismo.
O DIA