Atualizada em 06/04/2025 09:13
Foto: Leonardo Sá/Agência Senado Congresso Nacional
O que não falta a esta coluna é autoridade para discutir o tema da anistia aos presos pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023. Afinal, ela já falava desse assunto muito antes dele saltar para o centro do debate político brasileiro.
Isso mesmo. A anistia foi proposta aqui muito antes do tema entrar na pauta do Congresso Nacional. Isso aconteceu há cerca de um ano e meio, na edição de 13 de agosto de 2023, quando a medida foi defendida para uma parte das pessoas que estiveram na Esplanada dos Ministérios naquele dia fatídico.
A ideia apresentada foi a de anistiar os manifestantes que ocuparam o gramado da Esplanada dos Ministérios apenas para exercer o direito de protestar contra o governo. E que, mesmo tendo se mantido distantes das sedes dos Três Poderes, foram presos e tratados com um rigor que não se aplica a manifestantes de outras causas — como, por exemplo, o grupo de militantes que atacou e tentou incendiar o prédio da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) para protestar e pedir a cabeça do presidente Michel Temer, em dezembro de 2016.
Seja como for, a sugestão da anistia, ainda que parcial, aos manifestantes de 8 de janeiro, é claro, foi recebida com desdém e até ridicularizada. Simpatizantes da esquerda trataram a possibilidade de se anistiar os manifestantes que apenas gritaram palavras-de-ordem e empunharam cartazes contra o governo como algo completamente fora de cogitação. E reagiram como se qualquer pessoa que, no dia 8 de janeiro, tenha ousado levantar a voz contra o governo do PT, merecesse arder por toda a eternidade no fogo do inferno. O melhor a fazer, diziam, era esquecer aquele absurdo.
Em banho-maria
Pois bem… Na semana passada, a anistia que antes era tratada como um tema a ser ignorado, arrombou a porta, invadiu a cena política com força total e tem gerado dissabores justamente para os que se recusaram a discuti-la. Na verdade, o assunto vinha crescendo e só não era percebido por aqueles que, como habitualmente fazem, preferem enxergar a realidade apenas à luz dos próprios interesses.
Dias atrás, uma manifestação pela anistia, com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro, na orla de Copacabana, no Rio de Janeiro, foi vista pelos simpatizantes do governo como um fracasso por não ter reunido as multidões que o ex-presidente já tinha conseguido mobilizar em outros momentos.
Muita gente viu nos clarões que havia entre as pessoas de camisetas amarelas que ocuparam o asfalto da avenida Atlântica o sinal de que o tema da anistia não era capaz de mobilizar opinião pública.
E talvez a ideia perderia o fôlego se o presidente da Câmara Hugo Motta não tivesse entrado em cena e mostrado para que serviu sua presença na comitiva que acompanhou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Japão e ao Vietnam.
Os deputados do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, como se sabe, vinham recolhendo assinaturas em um projeto que propunha a anistia para todos os participantes dos atos de 8 de janeiro. Motta, na campanha que o levou à presidência da Casa, havia se comprometido, em troca do apoio dos deputados do PL, a não criar obstáculos para a tramitação da matéria.
Acontece, porém, que depois de passar 30 horas a bordo do jato presidencial, ele parece ter se esquecido do compromisso que assumiu. Na volta ao Brasil, desembarcou dizendo que a questão não deve ser tratada agora e propôs criar uma Comissão Especial para tratar do assunto.
A intenção do presidente da Câmara era de cozinhar o tema em banho-maria até que o calendário eleitoral de 2026 obrigasse os parlamentares do PL a cuidar de suas campanhas e deixassem essa questão embaraçosa para depois.
Os deputados da maior bancada no Congresso, claro, se sentiram traídos por Motta e isso parece tê-los estimulado a dar o troco na mesma moeda. O presidente da Câmara garante que não tratou da tramitação da anistia com ninguém durante a viagem — e quem quiser concorrer ao título de ingênuo do ano tem toda liberdade para acreditar.
O certo é que os parlamentares do PL passaram a obstruir os trabalhos nas comissões temáticas da Câmara e prometem manter essa estratégia até o projeto da anistia entrar na pauta.
Eles querem que o assunto, inoportuno para o governo, seja levado a plenário e submetido a votação nominal, sem passar pela análise de comissões. Isso significa, na prática, que as matérias propostas pelo governo para tentar recuperar a popularidade cada vez mais declinante, avançarão a passos de tartaruga até que Motta cumpra a promessa que fez.
Penas desproporcionais
Não importa o que acontecerá com o projeto. Ele pode ser rejeitado ou aprovado. Se for aprovado, pode ter sua constitucionalidade questionada por algum partido nanico e submetido à aprovação do Supremo Tribunal Federal (STF), como virou praxe em Brasília.
O certo é que o tema da anistia ganhou corpo e, tenha o desfecho que tiver, custará caro ao governo.
IG